Desminar as mentalidades: uma urgência nacional
A clássica frase, "não existem países subdesenvolvidos, mas sim sub-administrados", encaixa-se perfeitamente ao contexto angolano. A questão não é a ausência de potencial, é a gestão. Falta uma governação com foco pedagógico, ao invés de punitivo. Os empreendedores morrem antes de nascer formalmente.
As minas ferem, mutilam e matam. Em sentido literal e simbólico, representam obstáculos mortais que se escondem sob a superfície da vida angolana. Mas hoje, a reflexão não é sobre minas explosivas no chão, é sobre aquelas que estão na mentalidade, no sistema, na cultura administrativa e nas estruturas que cercam o empreendedorismo e a vida económica em Angola. São minas invisíveis, mas não menos letais.
A cada passo rumo à iniciativa privada, o cidadão corajoso sente-se num campo minado, entre impostos, burocracias sem fim, e fiscais económicos com multas punitivas sem orientação e um sistema que mais parece desencorajar do que promover, onde os poucos empregos formais não aguentam(1)
A clássica frase, "não existem países subdesenvolvidos, mas sim sub-administrados", encaixa-se perfeitamente ao contexto angolano. A questão não é a ausência de potencial, é a gestão. Falta uma governação com foco pedagógico, ao invés de punitivo.
Os empreendedores morrem antes de nascer formalmente: são lhes exigidos planos de negócios e com contabilidade prévia, licenças caríssimas com esperas sem prazo, impostos no primeiro ano de actividade e custos de certificação do software contabilísticos onde deveria imperar a contabilidade simplificada. Tudo isso são custos que não cabem no orçamento de quem mal começou.
O relatório mais recente do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) sobre Angola continua a destacar uma realidade paradoxal com uma das mais altas taxas de intenção empreendedora entre os países do universo GEM, sobretudo com uma expressiva participação feminina, uma grande vontade por razões de sobrevivência, contudo, o ecossistema estrutural é profundamente desfavorável. Quem lidera precisa de, no mínimo, de agir para por fim a esta tendência de destruição de valor não apenas material, mas também emocional. Falta capital, falta formação técnica, falta um Estado que complemente as lacunas do mercado e motive o esforço individual.
E é por isso que o perfil médio do empreendedor angolano é frágil, informal e despreparado, não por incompetência, mas por abandono e por exigências técnicas desproporcionais, ausência de orientação e, frequentemente, penalizações antes mesmo de poderem crescer.
A elevada taxa de mortalidade empresarial em Angola tem uma causa clara, as minas da burocracia, da mentalidade de complicar, pouco acesso a suporte técnico e financeiro no momento mais crucial que é o arranque. A cultura burocrática e punitiva, ainda presente na administração pública, precisa dar lugar a uma abordagem facilitadora, pedagógica e orientada para resultados.
Num contexto marcado por um ciclo económico adverso e um sentimento generalizado de que "isto é Angola", é preciso recuperar o optimismo a partir da acção concreta. As várias tentativas para uma evolução positiva não devem ocultar os enormes desafios estruturais. Angola ainda enfrenta elevadas taxas de desigualdade social, e o mercado de trabalho angolano continua profundamente marcado pela informalidade e pela precariedade. De acordo com o relatório do Banco Mundial "Bons Empregos para a Juventude Angolana" (2023), uma parte significativa dos jovens entre os 15 e 34 anos está desempregada, e os que trabalham encontram-se, em grande maioria, em empregos de baixa qualidade e com baixa remuneração.
O país precisa urgentemente de construir e divulgar referências. Onde estão os 25 empreendedores de sucesso que podem inspirar os demais? O que têm em comum? Quais competências os tornaram resilientes num ambiente tão hostil? Angola precisa estudar os seus casos de sucesso, identificar os pontos fortes e replicá-los com apoio político e institucional.
Desminar a mentalidade é também desminar a política pública. O empreendedorismo não se promove apenas com discursos em conferências, mas com reformas na prática, com programas sustentáveis, com crédito acessível, com formação ajustada à realidade. E, sobretudo, com uma administração pública que acolhe, forma e caminha ao lado dos seus cidadãos.
Para transformar esta realidade, é essencial uma nova mentalidade de gestão mais ágil, mais estratégica e centrada no desenvolvimento de valor. Isso implica investir em educação técnica, facilitar o acesso ao financiamento, apoiar incubadoras e centros de inovação e desburocratizar processos. Desminar já! Desminar rápido!. Antes que o talento nacional continue a morrer silenciosamente nos campos minados da desorganização ou a emigrar para campos com mais segurança.
Leia o artigo integral na edição 830 do Expansão, de Sexta-feira, dia 13 de Junho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)