As casas de câmbio têm vindo a reclamar das suas dificuldades há muitos anos, desde a implementação da reforma cambial, passando pela crise económica à pandemia. Agora, com a grande escassez de divisas, que gerou uma depreciação do kwanza face ao dólar de quase 40%, a situação está mais grave. E a pergunta que não se cala é: Como as casas de câmbios sobrevivem?

É uma pergunta que não se cala sempre que se fala das casas de câmbio, da sua sobrevivência e do problema das dívidas. O problema das dívidas é transversal, afecta quase todos os sectores de actividade e nós, infelizmente, somos os maiores lesados, porque as nossas empresas são monoprodutos, praticamente a nossa matéria-prima são divisas. E, como disse e bem, de algum tempo a esta parte, quer no que toca a reformas que foram feitas, quer no que toca à escassez de divisas e à deterioração do ambiente de negócio, as casas de câmbio têm vivido uma situação difícil.

E como se têm mantido?

Temos vindo a tentar, a reinventarmo-nos, mas, infelizmente, não tem sido fácil. Aliás, se o negócio, por um lado, demonstrou-se atractivo anteriormente, o que gerou aderência ao sector de uma série de novas empresas, nos dias de hoje, pela crise que temos vivido e pelos desafios que o sector enfrenta, temos assistido ao encerramento, às vezes quase compulsivo, de muitas empresas e à desistência de muitos empresários. Logo, não se pode falar de sobrevivência, porque o sector está reduzido a um terço. As empresas não sobreviveram, as empresas desistiram, faliram. Podemos encontrar aqui uma série de adjectivos para isso.

E os números não mentem. A cada ano que passa o número de casas de câmbios encerradas aumenta. Só para termos noção, em 2017, antes da reforma cambial, existiam 125 casas de câmbios registadas no BNA e hoje existem apenas 26, isto significa que 95 casas de câmbio fecharam as portas em 6 anos. Parece que as casas de câmbio estão a entrar em extinção no País.

Eu não gostava de usar essa definição, de que estamos em extinção. Eu acho que houve aqui um grupo de empresários visionários que agarraram uma oportunidade e hoje não consigo dizer se esses empresários ganharam ou perderam dinheiro, mas pelo menos ganharam alguma experiência. Estiveram no sector com uma presença entre cinco e sete anos, devem ter vivido bons e maus momentos, mas o que é bem verdade é que muitos deles hoje não estão e os motivos são vários. O principal é a escassez de divisas, é a forma como nós temos assistido à gestão que é feita das divisas que temos disponíveis no País.

Essa gestão não é bem feita?

Eu não queria definir como se a gestão tivesse sido mal feita. Eu acho que as prioridades é que não foram as mais indicadas nos vários momentos que vivemos e acredito que as pessoas que estiveram à frente, a monitorar este sector, em particular, tomaram decisões que não foram as melhores no momento certo.

Nos últimos 5 anos a venda de divisas caiu cerca de 94%. O que é que isso representa para vocês?

Para nós, isso representa menos negócio, falência e, em muitos casos, incapacidade de nos mantermos no sector. Acima de tudo, para a nossa população, representa a ausência de um serviço que acreditamos ser de grande importância. Reconhecemos que, se por um lado, nós temos vindo a trabalhar (o sector financeiro num todo) no reforço da nossa capacidade para a defesa de um sistema como um todo. Por outro lado, sentimos que esta incapacidade que nós temos dá azo a um sector que não nos interessa, que é o sector informal.

Porquê?

Quanto mais fraqueza, ou menos capacidade nós temos, abrimos uma porta que em nada acresce valor ao nosso sistema financeiro. Eu, às vezes, a brincar com alguns colegas do sector, digo que daqui a bocado vamos assistir à comunidade internacional a definir-nos metas para combater o mercado informal, porque o nosso mercado informal já ultrapassou aquilo que são os mínimos aceitáveis. E depois isto empurra a sociedade para uma situação ou para práticas que a nossa legislação condena, porque vê uma alternativa no mercado informal, quando nós somos, se calhar, o único instrumento legal que o Estado tem para combater o mercado.

E este problema da informalidade é transversal a quase todos os sectores da economia. Exacto.

Mas nós estamos mesmo à espera de apanhar um cartão vermelho, para acordarmos com uma situação que é grave. E se fosse só a exposição da nossa moeda, que a gente não se preocupasse, era razoável, mas nós estamos a expor moeda de outros países.

E já tivemos a situação de 2015, quando os bancos comerciais ficaram sem correspondentes, devido à exposição da moeda norte-americana.

E não é só este problema, é um bocadinho mais alargado e, se calhar, mais grave. A forma como nós tratamos essas moedas no mercado informal não ajuda a credibilizar o nosso sistema financeiro. Isso é uma debilidade que temos no sistema e acredito que, com um esforço, o problema seria resolvido. Como disse, havia 126 empresas, se fossem bem fiscalizadas, teriam outros resultados. E, já agora, no meu ponto de vista, acho que há regulamentação a mais para o mercado que temos, embora Angola tem tido reconhecimentos internacionais pelo esforço que tem feito, mas por outro lado, as casas de câmbio não recebem protecção nenhuma. Hoje não se dá o devido valor. Se se tivesse dado, ganhava o sistema, o Estado e os angolanos.

Acredita que o mercado informal também foi responsável por essa queda das casas?

Pode ter ajudado, mas não foi o instrumento principal. O elemento principal foi a crise que temos até hoje e o mercado informal vai agregando negativa.

Actualmente é mais fácil conseguir dinheiro nas kinguilas do que numa casa de câmbio, ou até mesmo nos bancos. E o mercado paralelo parece ser o único que funciona.

E ainda bem que não sou eu quem diz isto. Quer dizer que já fez esse teste. Muitas das vezes, se precisar de divisas, nós não temos, mas o mercado informal tem sempre. E perguntamo-nos: os bancos demoram muito tempo, as casas de câmbio não têm, mas a rua tem sempre.

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