Metade da fauna selvagem desapareceu em 40 anos
O mundo está a tornar-se um lugar inóspito para os animais selvagens. Não importa o local no planeta em que vivem ou mesmo se são espécies terrestres, marinhas ou de água doce. Estudo do WWF mostra que os humanos destruíram 52% da população de vertebrados selvagens do mundo em apenas 40 anos.
As populações mundiais de peixes, pássaros, mamíferos, anfíbios e répteis diminuíram no total 52% entre 1970 e 2010, muito mais rápido do que se pensava anteriormente, afirmou o Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês) no último Relatório Planeta Vivo, publicado pela entidade conservacionista a cada dois anos.
Investigadores do WWF e da Sociedade Zoológica de Londres (ZSL) analisaram 10.380 populações de 3.038 espécies num índice da saúde dos cinco principais grupos de vertebrados - mamíferos, aves, répteis, peixes e anfíbios, e o índice diminuiu 52%. A pior queda foi entre populações de espécies de água doce, que diminuíram 76% ao longo de quatro décadas até 2010, enquanto as cifras de animais marinhos e terrestres sofreram uma queda de 39%.
No anterior relatório, datado de 2012, a WWF dava conta de uma baixa de apenas 28% das espécies selvagens entre 1970 e 2008. Uma diferença considerável em somente dois anos, mas o resultado mais negativo desta nova edição é justificada tanto pela diminuição real nos dados mais recentes como da nova ponderação derivada do melhoramento da metodologia utilizada pelos especialistas da Zoological Society.
São números chocantes, que mostram o impacto directo da acção do homem na Natureza num período em que a população mundial seguiu um caminho inverso, dobrando de tamanho entre 1970 e 2010. Por isso, os cientistas têm trabalhado para entender o efeito da humanidade sobre o resto das espécies que compartilham o planeta connosco.
Na história da Terra, cinco extinções em massa dizimaram mais da metade da vida no planeta. Hoje, os cientistas debatem se a humanidade está a causar o sexto ciclo de extinção. Dados levantados pelos biólogos apontam que, antes dos humanos, o ritmo de extinção era de uma espécie em cada 10 milhões por ano.
Actualmente, esses números são de 100 em cada 1.000 por ano. E, segundo a última actualização da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, que celebra este ano o seu cinquentenário, 22.408 espécies encontram-se à beira da extinção. As exigências da humanidade são actualmente 50% maiores do que a Natureza suporta, e o derrube de árvores, o bombeamento de água do subsolo e a emissão de dióxido de carbono ocorrem mais rápido do que a Terra leva para se recuperar.
Isto a somar ao facto de as espécies de seres vivos do planeta estarem a extinguir-se pelo menos 1.000 vezes mais rápido do que o fariam sem a influência humana, segundo uma nova pesquisa publicada na revista Science.
O desaparecimento de tantos animais pode ser explicado pela caça indiscriminada, pela destruição dos habitats naturais e pelo desmatamento motivado pela agricultura ou pela geração de energia, como em casos de hidroeléctricas.
Estas últimas, aliás, são a principal ameaça na América Latina, região que perdeu 83% de sua população animal, a maior queda em todo o mundo. Em países tropicais, que concentram a maior parte das florestas, acontece muito a transformação da vegetação natural em sistemas agrícolas.
Números contundentes
Esta questão é mais complicada do que pode parecer. Certamente, os seres humanos têm impulsionado espécies como o pássaro dodô, o tigre da Tasmânia e o pombo- passageiro à extinção. Não há dúvida de que o contínuo desmatamento e as mudanças climáticas vão destruir ainda mais espécies, incluindo algumas que a humanidade nunca vai ter a hipótese de descobrir - os pesquisadores não sabem ao certo quantas espécies existem no planeta.
Cerca de 1,9 milhões já foram descritas pela ciência, mas as estimativas de quantas vivem variam de 5 a 11 milhões. E África é dos continentes mais afectados pela desaparecimento de espécies. O rei dos animais, por exemplo, está cada vez mais ameaçado pela destruição galopante do seu habitat: a savana.
A exploração agrícola e a urbanização da savana no continente, sob o efeito do forte crescimento demográfico, ameaçam os leões, onde dois terços desapareceram ao longo dos últimos 50 anos. Mas também a caça ilegal de rinocerontes disparou, impulsionada pelo valor dos chifres destes animais, usados na medicina tradicional asiática, que alcançam preços tão elevados quanto o do ouro no mercado negro asiático (cerca de 66.000 USD o quilo, indicam diferentes fontes).
Comprometem, assim, o trabalho realizado há décadas para reconstituir a população selvagem destes herbívoros sobretudo em África, onde vive de 70% a 80% da população mundial de rinocerontes. Por outro lado, 62% de todos os elefantes de floresta (da África oriental e central) foram abatidos pelo seu marfim ao longo dos últimos dez anos.
A caça ilegal destes paquidermes para comércio do marfim desequilibra fortemente as populações restantes e, em Moçambique, os elefantes poderão mesmo desaparecer nos próximos dez anos. Segundo estimativas, havia cinco milhões de elefantes no continente africano há cerca de 70 anos. Hoje, só sobram alguns milhares.
Entretanto, não restam mais do que 880 gorilas de montanha a viver em liberdade, dos quais 200 no parque nacional de Virunga, na República Democrática do Congo. Mas nem toda a fauna do planeta diminui à mesma velocidade.
Há zonas mais afectadas do que outras, que o estudo qualifica de impacto severo, como o Gana onde a população de leões numa reserva se reduziu em 90% nos tais 40 anos. Estima-se que o número actual destes felinos é de 32.000 a 35.000, contra perto de 100.000 em 1960.