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Tolerância à lactose garantiu sobrevivência

CAPACIDADE SURGIU EM ÁFRICA

Análises genéticas mostram que a capacidade de humanos adultos digerirem o açúcar presente no leite surgiu na mesma época em que vacas, ovelhas e camelos começaram a ser criados, há 5 mil a 12 mil anos, em África. O leite fornecido por aqueles animais fez o homem desenvolver a lactase, responsável pela digestão da lactose.

Há 12 mil anos, os nossos ancestrais ingeriam apenas leite materno, e nos primeiros anos de vida. A implementação do leite de animais na alimentação humana ocorreu somente após a domesticação do gado. A partir daí, ocorreu uma mutação no Homo sapiens, a fim de que o organismo pudesse tolerar essa substância nova para o sistema digestivo, significando uma vantagem selectiva. Em época de condições naturais adversas, quando caçar e pescar era difícil e o que era plantado não vingava, sobrevivia e conseguia reproduzir- se quem tinha animais domesticados e podia usar o líquido branco como alimento.

Tribos africanas primitivas e itinerantes deram, assim, uma contribuição inestimável para uma grande parcela da população mundial - a capacidade de consumir leite. Uma pesquisa americana tenta rastrear o caminho percorrido 12 mil anos atrás por aqueles grupos selvagens da África até outros continentes. Nesta viagem, o homem desenvolveu uma mutação genética que, hoje, lhe permite digerir a lactose (o açúcar do leite) na idade adulta e não apenas como bebé. Tomar um copo de leite sem passar mal é um luxo para a maioria das pessoas que, quando saída infância, começa a tornar- -se sensíveis à bebida. Enquanto as crianças têm níveis altos da enzima lactase, o que as faz digerir com facilidade o ingrediente, à medida que a idade avança, a quantidade dessa substância decai no organismo.

Um terço da população mundial, contudo, é capaz de manter a tolerância à lactose que tinha quando bebé. Cientistas da Universidade da Pensilvânia percorreram o globo atrás de etnias tolerantes à bebida. Investigaram três regiões do genoma de 819 africanos pertencentes a 63 grupos distintos e de 154 não africanos de nove populações na Europa, do Oriente Médio e do Leste asiático. Além disso, foram realizados testes de digestão da lactose em 513 indivíduos do Leste da África. "A análise fornece fortes evidências de uma selecção positiva em diversas variantes genéticas associadas à tolerância à lactose em populações africanas. Provavelmente, isso ocorreu em resposta ao desenvolvimento cultural do pastoralismo", explica Sarah Tishkoff, professora do Departamento de Genética da universidade e principal autora do estudo.

Os locais distintos onde essas variantes foram encontradas estão relacionados, em muitos casos, com a história das migrações humanas. "À medida que os pastores se deslocavam geograficamente, comercializando gado, camelos e ovelhas, também houve misturas entre as etnias. Algumas populações acabaram herdando a tolerância à lactose graças a esse mix racial", acrescenta. Uma das descobertas dos cientistas foi que uma variante associada à resistência à lactose em europeus também está presente em grupos de pastores do norte da África, o que sugere uma mistura entre essas populações distintas. A mutação surgiu entre há 5 mil a 12,3 mil anos, coincidindo com a origem da domesticação do gado nessa parte do continente africano e no Oriente Médio.

Uma outra variante, bastante frequente na Península Arábica, foi detectada no Norte do Quénia e no Nordeste do Sudão. Ela teria emergido há 5 mil anos, época em que, segundo evidências arqueológicas, os camelos foram domesticados na região.

Diferentes mutações

Também há o exemplo da variante C-14010, identificada em indivíduos da Tanzânia, no Quénia e do Sudeste africano. A modificação genética surgiu há três mil a sete mil anos atrás, a mesma época em que pastores do norte do continente começaram a migrar para o Leste. No Sudeste, ela teria surgido apenas nos últimos mil anos. Há sete mil anos, o Sara ainda não era tão deserto como o conhecemos hoje, apesar de já ser árido.

Mas três mil anos anos antes era uma região húmida e verde. Com a aridez, os habitantes da região adoptaram estilos de vida mais nómadas e pastoris. E estes movimentos nómadas com os seus animais ficaram registados nas rochas de Wadi Imha, na parte líbia do Sara, com diversos desenhos coloridos dos animais e dos seus donos ordenhando- os. Se até agora tinha sido difícil datar estas pinturas, a análise da gordura em 81 pedaços de cerâmica, com 7.200 e 5.800 anos, encontrados no abrigo de Takarkori, permitiu concluir que se tratava de leite animal e que as populações já o consumiam.

"Estamos a começar a formar a figura de uma evolução convergente. Os nossos resultados mostram diferentes mutações emergindo em diferentes lugares que estavam sob selecção, depois consolidando-se para, em seguida, serem reintroduzidas por migrações em novas áreas e para novas populações", afirma Tishkoff. Pesquisas anteriores já haviam mostrado que os europeus do Norte e pessoas com ascendência do Norte da Europa, bem como as populações da África, da Península Arábica e da Ásia Central, com uma tradição de produção de leite fresco e consumo, continuam a expressar a enzima lactase na idade adulta.

Alguns destes estudos anteriores haviam traçado a origem genética desta característica em europeus para uma mutação particular, que regula a expressão do gene que codifica para a lactase. Em 2007, num estudo realizado por Tishkoff e colegas, examinaram-se as populações africanas e encontraram-se três variantes genéticas associadas à persistência de adição de lactase que não haviam sido previamente identificadas.

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