ODS registam retrocessos, fome e pobreza extrema aumentam
Apesar da diminuição da taxa de pobreza activa (passou de 7,7% em 2020 para 6,9% em 2023), 241 milhões de trabalhadores viviam em situação de pobreza extrema em 2023, mais de metade na África Subsariana (145 milhões). As pequenas empresas continuam a enfrentar obstáculos, como acesso limitado a crédito.
A seis anos do fim, o mundo "não está a cumprir" os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), revela o último relatório das Nações Unidas, que destaca a urgência de "uma cooperação internacional mais forte e mais eficaz" para cumprir a Agenda 2030. A taxa de pobreza extrema aumentou, pela primeira vez em décadas, refreando os progressos alcançados nos três anos anteriores, e, se a actual tendência persistir, 590 milhões de pessoas estarão a viver na pobreza extrema em 2030.
Numa pincelada sobre o primeiro ODS (Erradicação da pobreza) percebe-se o accionar dos alarmes. Apenas 17% das metas estão no caminho certo, quase metade mostra progressos mínimos ou moderados e o avanço em mais de um terço está estagnado ou regrediu, refere o relatório, que monitoriza o progresso global na Agenda 2030 e que será analisado na Cimeira do Futuro, de 22 a 23 de Setembro, na sede da ONU, em Nova Iorque.
Este quadro é resultado dos efeitos cicatrizantes da pandemia da Covid-19, da escalada dos conflitos, das tensões geopolíticas e do crescente caos climático. Como consequência, "mais 23 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza extrema e mais de 100 milhões sofriam de fome em 2022", em comparação com 2019. O número de mortes de civis em conflitos armados disparou, em 2023, que também registou o ano mais quente de sempre, com as temperaturas médias globais próximas de aumentar 1,5º C a exigir acção imediata.
"Faltando mais de seis anos, não devemos desistir da nossa promessa de até 2030 acabar com a pobreza, proteger o planeta e não deixar ninguém para trás", apela António Guterres, secretário geral das Nações Unidas no prefácio do relatório, sublinhando a necessidade de "investimentos maciços e parcerias mais eficazes para impulsionar transições verdes na produção de alimentos, energia e conectividade digital".
Apesar da diminuição da taxa de pobreza activa (passou de 7,7% em 2020 para 6,9% em 2023), quase 241 milhões de trabalhadores no mundo ainda viviam em situação de pobreza extrema em 2023, mais de metade na África Subsariana (145 milhões). A região subsariana é também a que tem maior proporção de população empregada a viver com menos de 2,15 USD por dia (ver infografia), sendo de assinalar o retrocesso nas metas de erradicação da pobreza, que aumentou de 32,8% em 2015 para 35,4% em 2023.
Trabalho digno
Pela primeira vez neste século, o crescimento do PIB per capita em metade dos países mais vulneráveis é mais lento do que o das economias avançadas. O desemprego global atingiu um mínimo histórico de 5% em 2023, mas persistem obstáculos ao trabalho digno. Mulheres e jovens enfrentam taxas de desemprego mais elevadas e mais de 2 mil milhões de trabalhadores têm empregos informais, sem protecção social. Na África Subsariana e Ásia Central e Meridional quase 9 em cada 10 trabalhadores estavam no informal, refere o relatório, considerando "alarmante que mais de um em cada 5 jovens não esteja na escola, emprego ou em formação".
As pequenas empresas continuam a enfrentar obstáculos, como acesso limitado a crédito, especialmente na África Subsariana, onde apenas 16,9% têm acesso a empréstimos ou linhas de crédito. Apesar de a contribuição do sector industrial para a actividade económica total ter aumentado ligeiramente, de 16,3% em 2015 para 16,7% em 2023, a industrialização não descola na região subsariana, onde só 6,9% da população tem emprego na indústria transformadora em proporção do emprego total.
Com base em dados recolhidos em 2022 em 120 países, 55% dos países não tinham leis anti- -discriminação que proíbam a discriminação directa e indirecta contra as mulheres, o que constitui um obstáculos ao objectivo 5 (Igualdade de Género).
O objectivo de erradicação da fome (2) também sofreu um revés. Quase 60% dos países enfrentaram preços dos alimentos moderados a anormalmente elevados em 2022, devido às grandes perturbações nas cadeias logísticas após o início da guerra na Ucrânia, com África a ser o continente mais afectado. Mais 122 milhões de pessoas passaram fome em 2022, estimando-se que 29,6% da população mundial, ou 2,4 mil milhões de pessoas, se encontravam em situação de insegurança alimentar moderada ou grave.
Agir agora com ousadia
O relatório estima em 4 biliões USD por ano a lacuna de investimento nos ODS nos países em desenvolvimento, sendo necessários mais recursos financeiros e maior espaço fiscal e, mais uma vez, impõe-se a reforma da arquitectura financeira global.
Leia o artigo integral na edição 784 do Expansão, de sexta-feira, dia 12 de Julho de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)