2017 é depois de amanhã: como vai estar o País para entrar na ZLC da SADC? 1.ª parte
Se 2017 é já depois de amanhã, as medidas de apoio ao empresariado privado angolano não terão tempo de surtir os efeitos esperados no sentido do reforço da sua capacidade de competitividade.
Portanto, no fim deste processo, e se realmente Angola, enfim, aderir à Zona de Livre Comércio (ZLC) da SADC, a economia vai ficar com mais distorções do que aquelas que já existem (provocadas pelas tarifas aduaneiras e pelas restrições quantitativas às importações), as condições de vida da população estarão diminuídas pela transferência de parte do seu excedente para os produtores e estes beneficiarão de uma mais-valia significativa (distorções a favor dos empresários ineficientes, parte do excedente do consumidor, eventualmente parte das receitas alfandegárias em forma de subsídios e apoios diversos) sem que para isso tenham trabalhado.
Para além de apresentar o segundo maior índice de concentração das exportações - calculado na base da metodologia de Herfindahl -, Angola é igualmente uma das economias mais protegidas do mundo (a protecção nominal aumentou com o agravamento das tarifas aduaneiras sobre as importações e a protecção efectiva igualmente se elevou, a despeito de algumas matérias-primas e intermédias terem sido desagravadas).
A sua integração plena na economia-mundo e na ZLC da SADC tem sido atrasada, na convicção de que mais tempo e mais protecção são necessários para ganhar competitividade e conquistar-se o mercado internacional. É uma estratégia discutível, não apenas à luz da Teoria Económica, mas igualmente dentro das experiências exitosas de diversificação e ganhos de competitividade. Por vezes, parece que os receios das autoridades e empresários angolanos de abertura da economia nacional se circunscrevem aos países-membros da SADC, perante os quais, e numa situação de ZLC plena, as barreiras alfandegárias terão de ser desmanteladas.
Mas que países da SADC representam, verdadeiramente, uma ameaça1? É consabido que, do ponto de vista económico, a SADC é um espaço muito heterogéneo, díspar, infra- -estruturalmente desestruturado e com níveis de vida desproporcionalmente desiguais. Nem todas as suas economias estão bem e nem sequer com um caminho para o futuro que aponte para a sua sustentabilidade. A grande ameaça para Angola provém do mercado internacional, ou, numa perspectiva mais larga e abrangente, da globalização.
Neste contexto, apenas o petróleo é competitivo. No entanto, apesar de o País ser membro de pleno direito da Organização Mundial do Comércio, pode ir postergando a abertura da economia ao exterior. Mas, para com a SADC, vai ter de acontecer, não havendo alternativa que não seja abandonar a organização, muito mau para as pretensões de Angola a potência económica regional. É verdade que 27 anos de guerra civil prejudicaram a economia e as suas bases de sustentação, e não propiciaram o aparecimento e subsequente aproveitamento de oportunidades de refundação do modelo económico colonial.
Mas é igualmente verdade que o sistema socialista implantado (será que se tratou mesmo disso, ou de uma forma através da qual se lançaram as bases para o aparecimento da corrupção e a generalização do tráfico de influências, hoje uma autêntica instituição nacional?) matou todas as formas de iniciativa privada e contribuiu para o atrofiamento/desaparecimento das actividades reguladas pela economia de mercado. O País entrou na era pós-independência sem empresariado privado, impedido de o ser e se desenvolver por opção doutrinária/ideológica do MPLA e sem existência de facto até 1975 por imposição das autoridades coloniais (a industrialização de Angola nessa altura fez-se à custa de empresários portugueses e capitais lusitanos).
Por herança colonial e por opção ideológica, o empresariado privado em Angola fez uma travessia de deserto excessivamente longa no tempo, não sendo ainda hoje capaz de liderar, autónoma e independentemente, o processo de sustentabilização do crescimento económico. Titubeantemente, vai participando, com um fortíssimo apoio do Estado, directo e indirecto. Num contexto de economia aberta no espaço regional e de observância de rigorosas regras de concorrência, as ajudas estatais têm de se conter em limites pré-definidos e sujeitar-se a discussões sobre a sua eficiência geral para a economia regional.
Anunciado o adiamento de adesão em 2014, de 2015 para 2017, a economia empresarial privada angolana já está em condições de as dispensar? O índice de concentração das exportações é um sinalizador da diversificação das economias e das fontes do crescimento, ainda que diversificação não seja, do ponto de vista conceptual e metodológico, exactamente o simétrico de concentração. Mas pode ser usado como uma proxy, haja em vista a complexidade de cálculo e a exigência de informação para a construção dos indicadores de diversificação2. A abolição de todas as barreiras tarifárias e não tarifárias (como as restrições quantitativas às importações) exige uma competitividade estrutural que o País ainda não tem.
O processo está em andamento, mas lentamente e com bastantes altos e baixos, conforme comprovam os vários estudos (nacionais e de instituições internacionais) existentes. E tem de se estar preparado para se lidar com perdas pontuais de competitividade que acontecem durante o longo e permanente percurso da diversificação económica - e dos seus colaterais, como as receitas fiscais -, havendo que actuar em conformidade e atempadamente.
A economia brasileira apresenta, actualmente, com a quebra acentuada do seu ritmo de crescimento económico e a desregulação da actividade financeira do Estado, sinais evidentes de perdas de competitividade em sectores de exportação relevantes na sua balança comercial e até há pouco tempo campeões de receitas.
Ainda que o comportamento do dólar esteja a ser favorável ao incremento das vendas ao exterior, estes ganhos nominais de competitividade podem ser insuficientes para manter a rota de crescimento sustentado das exportações. Se Angola já tivesse aderido à ZLC da região austral do continente - decisão sucessivamente adiada desde 1999, quando a engenheira Albina Assis, então ministra da Indústria, coordenou um estudo sobre as consequências para Angola da assinatura do Protocolo de Liberalização das Trocas Comerciais na SADC -, que competitividade empresarial o País apresentaria hoje?
1 - Na segunda parte deste artigo serão apresentados os países sadcianos mais ameaçadores para a economia angolana.
2 - Ver nos Relatórios Económicos do CEIC de 2008 para a frente os capítulos sobre diversificação da economia nacional.