A criação de capacidade produtiva industrial precisa ser sustentável
O fraco desempenho da indústria transformadora em Angola, em nosso entender, está ligado ao desalinhamento entre as palavras (o discurso político) e as acções, por outras palavras, se tivermos em conta apenas o discurso político, vemos que é desejo da governação industrializar o país, porém, muito pouco foi feito para se materializar este desejo.
No nosso último texto procuramos mostrar que a indústria transformadora é ainda um factor de riqueza para as principais economias do mundo. Afinal, este sector continua a ter um peso significante, em % do PIB, em várias economias avançadas (G7) e emergentes (BRICS). Sendo assim, a governação em Angola não tem outra opção se não dinamizar a indústria transformadora, se desejar para os angolanos um alto padrão de vida. Todavia, quando olhamos para o posicionamento de Angola em rankings como o Índice de Industrialização em África do Banco Africano de Desenvolvimento (o último foi publicado em 2022), a indústria transformadora nacional aparece estagnada na 34ª posição desde 2019.
O fraco desempenho da indústria transformadora em Angola, em nosso entender, está ligado ao desalinhamento entre as palavras (o discurso político) e as acções, por outras palavras, se tivermos em conta apenas o discurso político, vemos que é desejo da governação industrializar o país, porém, muito pouco foi feito para se materializar este desejo. Temos ilustrado neste espaço que Angola precisa de criar infraestruturas industriais de qualidade capazes de atraírem projectos de investimento, tanto de empresários nacionais como estrangeiros. Infelizmente, dos 22 pólos industriais previstos, os 3 primeiros (Viana, Catumbela, Fútila) encontram-se em funcionamento sem estarem devidamente infraestruturados. Esta realidade faz com que Angola não tenha hoje um pólo industrial de referência, i.e., que possa servir de "cartão de visita". A melhor infraestrutura que o País possui é a Zona Económica Especial Luanda - Bengo que, todavia, possui muito pouca actividade industrial como tal.
Apesar da ausência de infraestruturas industriais de relevo, Angola foi capaz de criar alguma capacidade produtiva em segmentos importantes como a indústria alimentar, segundo o "Plano de Desenvolvimento da Indústria e Comércio 2023- -2027" representa 67% do VAB industrial, a fabricação de outros produtos minerais não metálicos (11%) e indústria de bebidas e tabaco (8%). É importante realçar que muito do que se produz continua dependente da importação de bens de consumo intermédio, o que deixa a indústria transformadora angolana vulnerável a choques como a depreciação cambial.
O facto de 67% do VAB industrial em Angola estar ligado à produção alimentar deveria, na presença de políticas que visam fomentar cadeias de valor, fazer surgir fornecedores locais de grande parte dos bens de consumo intermédio que hoje são importados. Abrimos aqui um parêntesis para explicar que os dados do INE indicam que a classe de bens alimentares e bebidas não alcoólicas tem sido a que mais contribui para as pressões inflacionistas que Angola regista. Pelo que desenvolver estes fornecedores locais permite não só criar empregos, especialmente para a juventude, como também assegura um crescimento muito mais sustentável para a indústria alimentar nacional. Incompreensivelmente, isto não se verifica, a governação parece acreditar que o desenvolvimento de cadeias de valor para os vários produtos alimentares que hoje Angola produz com recurso à importação de bens de consumo intermédio vai acontecer através do livre arbítrio do mercado. Lembramos aqui, por exemplo, que no IV Fórum Indústria, os principais produtores de sumos em Angola foram desafiados a adquirirem localmente parte da polpa de fruta de que necessitam. Não há notícias de que alguma coisa tenha mudado, um ano depois.
O que a teoria económica nos ensina, através dos trabalhos de autores como Alexander Gerschenkron, é que nas condições e contexto em que Angola está a criar a sua capacidade produtiva industrial, existe a necessidade de o Estado intervir, criando incentivos para que surjam fornecedores locais de bens de consumo intermédio hoje importados. Prova de que sem este incentivo do Estado estes fornecedores dificilmente vão emergir é o facto do Executivo ter embarcado num dispendioso programa de construção de hospitais de referência, um pouco por todo o país, mas, ainda assim, não vimos emergir uma indústria virada para a produção de mobiliário ou equipamento hospitalar. Angola vai continuar dependente das importações a não ser que haja uma intervenção do Estado. Atenção que não estamos a advogar que seja o Estado a produzir, mas, tal como aconteceu em outros contextos, que o Estado crie incentivos para que agentes privados (nacionais ou estrangeiros) possam fazer o devido investimento.
Enfim, mesmo sem dispor de infraestruturas adequadas, Angola tem hoje uma produção industrial melhor do que tinha no início deste séc. XXI. Contudo, esta produção continua muito dependente das importações e, como tal, vulnerável a choques. Para que a criação de capacidade produtiva gere riqueza (via redução das importações e conquista de novos mercados externos) e empregos, contribuindo para a melhoria das condições de vida dos angolanos, é imperioso que seja sustentável. Neste quesito, Angola continua ainda muito distante do desejável.