As difíceis vias da diversificação económica num contexto de diminuição generalizada de recursos financeiros (1.ª parte)
Diversas economias, hoje em processo avançado de diversificação económica, conseguiram-no graças à aplicação de estratégias e políticas matriciais adequadas - envolvendo todas as áreas da governação institucional, empresarial e trabalhista (os trabalhadores são, também, um agente importante da mudança estrutural da produção) - e a uma governação sábia, patriótica, presciente e transparente.
Um dos casos de êxito citado refere-se a um país onde a agricultura representava uma elevada percentagem das exportações totais, tendo a respectiva renda sido utilizada para aumentar o número de produtos agrícolas e encetar, com critério e sustentabilidade, a revolução da diversificação pela via da agro-indústria.
Os recursos financeiros disponíveis eram constituídos pelas receitas de exportação dos produtos agrícolas que financiaram o funcionamento da economia e propiciaram réditos ao Estado para exercer as suas funções financeiras clássicas e modernas. Em Angola, uma das manifestações da 'doença holandesa' foi a 'bolha' imobiliária, do que resultou a satisfação da procura habitacional de alto luxo e de luxo (as vivendas e apartamentos de um, dois e três milhões de dólares foram comprados pelas companhias estrangeiras e nacionais de petróleo para os seus trabalhadores, pelos bancos instalados no país e, com certeza, pela elite política e económica cujos rendimentos e riqueza aumentava sem cessar) e uma rarefacção de oferta de habitação para as classes médias e a população pobre.
Com a crise do petróleo, a 'bolha' rebentou e agora aparece um excesso de oferta habitacional de luxo: "A oferta já está a suplantar a capacidade de aquisição. O 'fantasma' da 'bolha' imobiliária começa a amedrontar quem vive do cimento. Não há classe média, ou pelo menos classe média que consiga comprar aqueles apartamentos. Muita coisa está por comprar ou foi comprada para arrendar, mas ninguém arrenda nada. A bolha imobiliária é justamente um dos receios para o pior cenário possível. Se rebentar, se não houver dinheiro para comprar os empreendimentos, os promotores não têm retorno do investimento, podendo entrar em default (incumprimento) de crédito e os bancos serão arrastados na avalancha".
(1) Hoje, o País enfrenta provavelmente a pior crise depois de alcançada a paz, e o financiamento da diversificação acaba por estar entalado entre a falta de uma estratégia clara (como nos países de sucesso existia) e a carência de financiamentos, pois mesmo o investimento estrangeiro deixou de considerar Angola um país bom para se investir, atendendo aos riscos envolventes, presentes e futuros.
Alguns optimistas defendem que nada melhor do que esta crise de dinheiro para se diversificar a economia, ou seja, um processo sem estratégia nem fontes de financiamento estáveis, credíveis e sustentáveis seguramente que desembocará numa estrutura produtiva sem força interna, nem racionalidade económica. Portanto, sem competitividade, um dos pontos focais do sucesso da diversificação.
A diversificação requer uma combinação inteligente de vários factores (2) :
- Uma estabilidade macroeconómica razoável e permanente (o controlo da inflação e do défice fiscal - para se evitar o crowding out - e uma taxa de câmbio ajustada às disponibilidades de divisas e aos ditames da competitividade fazem parte do pacote deste item). Esta 'exigência' do processo de diversificação vai ser posta em causa em Angola - onde depois de finalizada a guerra civil e graças às enormes receitas em divisas derivadas da exportação de petróleo, foi possível controlar a inflação (pela âncora cambial), acumular saldos orçamentais positivos e equilibrar, relativamente, o mercado cambial - na situação de forte carência de recursos financeiros do Estado e da economia.
- Uma política de abertura da economia ao exterior (ainda que com elementos restritivos de defesa das indústrias nascentes, necessariamente transitórios e apenas aceitáveis quando resulte aumento sustentado da oferta interna) (3).
- Uma política de uso intensivo da renda da exportação dos recursos naturais não renováveis a favor do incremento da produtividade de outros sectores potencialmente exportadores e da redução dos custos de produção da economia.
- Uma estratégia de valorização do capital humano nacional, do empreendedorismo, da investigação e da inovação. Todos os níveis de educação são indispensáveis para a sustentabilidade do crescimento e para que o processo de diversificação da economia seja inclusivo e, sobretudo, competitivo.
- A existência de instituições públicas e privadas e de lideranças políticas e económicas com visão estratégica. Ou numa linguagem mais comummente usada, o capital institucional. Como já anteriormente referido, a questão pertinente neste item é se os países exportadores de recursos naturais não renováveis têm capabilities (4) e instituições aptas a, duma forma efectiva, gerir altos níveis de rendimentos e a correspondente dependência. Portanto, é manifestamente insuficiente deter recursos naturais, sendo mais relevante o modo como são geridos, em nome da diversificação, da competitividade e da melhoria da distribuição do rendimento. O fraco desenvolvimento institucional em Angola costuma ser considerado como um óbice a uma maior repartição e extensificação dos resultados do crescimento económico. A falta de transparência, o excesso de burocracia, a corrupção, a baixa produtividade administrativa, o relativo laxismo com que os problemas das empresas e das populações são encarados, analisados e resolvidos pelos serviços públicos são factores negativamente influenciadores da organização empresarial e da estruturação das células familiares. Os efeitos perversos da falta desta capacidade institucional em Angola estão agora presentes, quando se instala a crise do preço do petróleo (5). Uma parte significativa das receitas fiscais do petróleo foi usada no processo de criação de uma elite política muito rica e abastada, com prejuízo da população, da formação e valorização da força de trabalho nacional e da constituição de bases produtivas internas competitivas.
- Reconhecida capacidade de boa governação (que finalmente se liga ao capital institucional). Uma gestão avisada, presciente e visionária e também atenta ao comportamento de mercados com elevada volatilidade dos preços tem de, nos países dependente da exportação de recursos naturais não renováveis, reservar uma percentagem para acudir a situações de quebra dos preços e réditos. São os conhecidos Fundos de Estabilização das Receitas Petrolíferas. Evidências empíricas conhecidas revelam a existência duma elevada má governação nos países africanos exportadores de petróleo.
- Disponibilidade de infra-estruturas económicas, em quantidade e qualidade que contribuam para a redução dos custos.
(Conclusão no próximo artigo).
(1)Revista Visão de 29 de Janeiro de 2015, Reportagem sobre Angola.
(2)A expressão inteligente é usada no sentido de que as instituições que definem as políticas públicas e os drivers do processo devem ter um domínio absoluto das relações (complementares, contraditórias e antinómicas) entre objectivos e instrumentos da política económica.
(3)Para os interessados em perceberem os fundamentos teóricos da protecção, basta consultarem qualquer manual de Economia Internacional para verificarem que a "protecção das indústrias nascentes" tem pressupostos científicos que não podem ser ignorados.
(4)Prefere-se a expressão em inglês por ser mais complexa, abrangente e efectiva que a sua congénere portuguesa 'capacidades'.
(5)Ver Alves da Rocha - 'E agora … 2015?', Semanário Expansão 9 de Janeiro de 2015