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Opinião

Glaciares à parte: Sustentabilidade exige acção concreta na contratação pública

MILAGRE OU MIRAGEM?

É fundamental que sejam adoptados procedimentos de contratação pública mais transparentes e concorrenciais, como os concursos públicos, em substituição de práticas mais restritivas, como a contratação simplificada (ajuste directo), que infelizmente tem prevalecido.

Recentemente, foi destaque na imprensa o facto de a ministra do Ambiente ter afirmado, no Tajiquistão, que Angola está "preparada para contribuir, aprender e cooperar na preservação dos glaciares, apesar de não possuir este tipo de formações naturais no seu território" .

Nas redes sociais, surgiu todo o tipo de comentários, alguns dos quais distorcendo o verdadeiro sentido da declaração. No entanto, mais do que a frase em si, o que deve merecer a nossa atenção é o espírito da declaração: Angola está consciente de que as alterações climáticas são uma responsabilidade colectiva, e está disposta a fazer parte activa dessa agenda global.

Com efeito, Angola é signatária da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (1992), bem como da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (1994). Mais recentemente, ratificou o Acordo de Paris, comprometendo-se com o reforço da resposta global às ameaças das mudanças climáticas, tendo publicado, através do Decreto Presidencial n.º 216/22, de 23 de Agosto, a Estratégia Nacional para as Alterações Climáticas 2022-2035.

Como temos defendido neste espaço, Angola é uma economia em desenvolvimento, onde se procura construir um modelo funcional de economia de mercado. A evidência empírica demonstra que, nesse contexto, o Estado desempenha um papel central, sendo, sobretudo nas fases iniciais, o maior consumidor de bens e serviços por meio da contratação pública.

Assim, detém um elevado poder de negociação e capacidade significativa de influência sobre grande parte dos agentes económicos no mercado. Nesse sentido, defendemos que, ao integrar critérios de sustentabilidade nos processos de contratação pública, o Estado pode muito bem posicionar-se na vanguarda do combate às alterações climáticas.

Para que essa liderança se concretize, é fundamental que sejam adoptados procedimentos de contratação pública mais transparentes e concorrenciais, como os concursos públicos, em substituição de práticas mais restritivas, como a contratação simplificada (ajuste directo), que infelizmente tem prevalecido.

De facto, um estudo recente, que fizemos no âmbito do Programa de Investigação Norueguês-Angolano e que estará disponível este mês através da antologia, "Angola pós-dos Santos: Uma antologia sobre continuidade e mudança" organizada pelos professores Vegard Bye, Paulo Inglês, Aslak Orre, Justin Pearce e Ricardo Soares de Oliveira, mostra que, desde 2017, existe muito mais informação sobre o número de procedimentos de contratação pública.

Por outras palavras, a actual administração mostra-se mais propensa a divulgar os números dos procedimentos de contratação pública, o que representa uma melhoria em relação à anterior administração Dos Santos. Contudo, existe uma maior apetência para a utilização de procedimentos mais restritivos, inibindo desta forma forma a sã concorrência no mercado.

A diversificação das fontes de divisas de Angola depende, em larga medida, da sua capacidade de aceder a mercados mais sofisticados nas economias desenvolvidas. Essa dinâmica oferece à contratação pública um papel estratégico, enquanto motor da inovação e da modernização tecnológica.

Embora o País ainda tenha uma pauta de exportações limitada - centrada essencialmente no petróleo e alguns dos seus derivados -, é crucial que o Estado incentive os produtores nacionais a disponibilizar bens sustentáveis.

Não é por acaso que Angola assinou, no ano passado, um Acordo de Facilitação de Investimentos Sustentáveis (SIFA, na sigla em inglês) com a União Europeia. É claro que, num futuro muito próximo, só terão acesso ao mercado europeu os produtores angolanos que ofereçam bens sustentáveis e adoptem processos produtivos ambientalmente responsáveis. É preciso que os agentes económicos em Angola estejam preparados para essa nova realidade.

Edição 829 do Expansão, de Sexta-feira, dia 06 de Junho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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