Não se pode melhorar o que não se mede!
A omissão de dados importantes como a taxa de informalidade no IEA e essa alteração de dados anteriores sem uma explicação, distorce o processo de análise do impacto socioeconómico das medidas de política adoptadas pelo Executivo, por parte de investigadores e organizações da sociedade civil.
Na ciência da gestão é atribuída a Peter Drucker, um nome incontornável nesta área do saber, a frase em inglês "You can"t improve what you don"t measure" que podemos traduzir livremente para "não se pode melhorar o que não se mede". Na edição passada, o Expansão deu destaque à notícia de que o Instituto Nacional de Estatística (INE) removeu os dados sobre o emprego no sector informal da folha de informação rápida do Inquérito ao Emprego em Angola (doravante IEA) referente ao 3.º trimestre de 2024. Abrimos aqui um parêntesis para dizer que este processo teve início no 2.º trimestre, quando a taxa de informalidade foi apenas apresentada na Síntese dos Principais Indicadores do mesmo relatório. Acreditamos que essa omissão possa estar relacionada com o edital da Organização Internacional do Trabalho, feito num jornal diário no dia 8 de Novembro de 2024, onde anunciava a realização de um concurso público para um "Estudo de Avaliação do Sector Informal", que poderá contribuir para a formulação de "recomendações para o alargamento da Segurança Social de Angola". Contudo, pensamos que o INE precisa de esclarecer à sociedade a razão desta alteração.
Enquanto investigadores, do Inquérito ao Emprego temos estado a calcular e apresentar neste espaço o Índice de Sofrimento Económico de Angola, cujo procedimento voltamos a explicar aos nossos leitores aqui: Somamos a taxa de desemprego, publicada pelo INE, com a inflação dos últimos 12 meses. No caso do 3.º trimestre usamos a taxa de inflação de Setembro (final do trimestre). Voltamos a explicar que se trata de um índice considerado "não oficial" inventado pelo economista norte-americano Arthur Okun. Porém, é preciso compreender que quando fazemos uso deste índice o que queremos mostrar é a "dor sentida pelo cidadão" e não medir o desempenho da economia como tal. O índice permite à governação dedicar atenção à resolução contínua de dois grandes males que afectam a qualidade de vida dos angolanos: a inflação e o desemprego.
Para o 3.º trimestre vemos uma redução de 2,6 pp no índice geral (versus o 2.º trimestre) o que é positivo, cf. Gráfico 1. Terá contribuído para este desenvolvimento positivo a redução do desemprego de 1.5 pp (saiu de 32,3% no 2.º trim para 30.8%) já que a inflação homóloga continuou muito alta, cerca de 29,93% (apesar da tendência de afrouxamento, se considerarmos a taxa homóloga mensal). Olhando para os grupos etários vemos que o ligeiro aumento do desemprego entre os jovens dos 15-24 anos, saindo de 56,4% para 56,6% no período em análise e a alta taxa de inflação (29,93%) fazem com que o sofrimento económico dos jovens (15-24 anos) continua muito elevado em 86,5%, mas, com tendência positiva (tem estado a diminuir desde o 1.º trimestre, cf. Gráfico 2).
No nosso último texto sobre este assunto indicamos que o sofrimento económico em Angola não era neutro em termos de género. Recomendamos na altura que a governação prestasse uma particular atenção à inserção das mulheres no mercado de trabalho. Ora bem, a redução do desemprego entre as mulheres em 2,8 pp (saindo de 34,2% no 2.º trim para 31,4%), mantendo-se estacionário o desemprego para os homens, fez com que o sofrimento económico das mulheres reduzisse em 3,87 pp no 3.º trimestre (cf. Gráfico 3). No que toca à zona de residência é notável que, depois da convergência verificada no 1.º trim, vemos uma desaceleração do sofrimento económico nas zonas rurais, enquanto que no meio urbano, depois do aumento no 2.º trim, no 3.º trim verificamos uma melhoria (cf. Gráfico 4). Será que já podemos dizer que a vida no campo melhorou? Aqui abrimos um outro parêntesis para explicar que o INE alterou, sem uma explicação, os dados do desemprego apresentado no Inquérito ao Emprego em Angola do 2.º trimestre para a zona de residência. No IEA anterior o desemprego urbano apresentado foi de 37,8% passou agora para 35,1% e o desemprego rural saiu de 19,3% para 27,1%. Essa alteração sem uma explicação plausível põe em causa a fiabilidade das estatísticas produzidas em Angola. Sobre este assunto, muito tem se dito e discutido, lembramos aqui que a anterior administração congelou as Contas Nacionais de 2016 antes das eleições de 2017, para não mostrar uma queda do PIB de -2,6%. Todavia, vale acrescentar que o problema da fiabilidade das estatísticas é algo que se verifica também em outros países africanos tal como apresentado na literatura especializada.
Enfim, como se pode ver a omissão de dados importantes como a taxa de informalidade no IEA e essa alteração de dados anteriores sem uma explicação, distorce o processo de análise do impacto socioeconómico das medidas de política adoptadas pelo Executivo, por parte de investigadores e organizações da sociedade civil. Em face do grande desafio que é o processo de transformação da estrutura da economia em Angola, preferencialmente através do aumento da liberdade económica dos angolanos, a governação precisa investir na melhoria da produção de dados estatísticos.
Edição 811 do Expansão, de sexta-feira, dia 31 de Janeiro de 2025