Uma nação, três classes e dois destinos
Ora, a desigualdade é boa quando o seu nível permite estabelecer um equilíbrio suportável pelas classes, mas torna-se o calcanhar de Aquiles das nações quando ela cresce desordenadamente e as classes já não a podem suportar. Em Angola, a desigualdade está a crescer de forma descontrolada, sendo por isso um quid pro quo da instabilidade social.
Usando o grande ciclo psicológico multigeracional construído por Ray Dalio, de acordo com a minha interpretação, Angola está na fase 4, considerada a fase dos países no início do declínio. Nesta fase, a nação e o seu povo estão cada vez mais pobres, mas acham-se ricos, de maneira que a poupança pública e privada não se torna uma realidade, e a desigualdade social vai escalando, o que reforça o declínio e facilita a passagem para uma fase mais grave, onde somente a classe alta tem tudo a perder.
Eu penso que o equilíbrio natural da convivência social requer a existência de ricos e de pobres, separados pela desigualdade, gerando automaticamente uma sociedade de classes. Ora, a desigualdade é boa quando o seu nível permite estabelecer um equilíbrio suportável pelas classes, mas torna-se o calcanhar de Aquiles das nações quando ela cresce desordenadamente e as classes já não a podem suportar. Em Angola, a desigualdade está a crescer de forma descontrolada, sendo por isso um quid pro quo da instabilidade social.
Essas classes poderão ser classificadas de formas diferentes, mas vou aqui classificá-las por níveis, de III a I, considerando que não se trata de uma classificação muito objectiva, estando por isso sujeita a erros que prefiro incorrer.
Nível III - Este é o nível mais baixo. Fazem parte deste nível aqueles que ficam nas filas longas dos transportes públicos, que vivem essencialmente um dia de cada vez, sobretudo para comer e sem um futuro cravado nas suas mentes. Essa classe não pode poupar, porque, para além de ter pouco rendimento, a inflação não lhes permite. São eles que frequentam os hospitais púbicos por não terem condições e nem seguros de saúde, sendo que muitas vezes vêem os seus familiares morrer por falta de atendimento. Esta classe tem de acordar às 5h00 para tratar um simples documento e ainda suportar os seus irmãos arrogantes da administração pública. Os seus filhos, em geral, não podem gozar de uma boa educação, pois têm de frequentar as péssimas escolas públicas. Eles amam e odeiam a chuva. Querem a chuva, porque sem ela muitos podem ficar sem comida por dependerem muito da agricultura, mas não a querem porque a mesma os aflige, inunda ou destrói as suas casas. Grosso modo, têm sido realmente atingidos de todos os lados (2 coríntios 4:8). Essa classe não tem brilho na pele, não tem vaidade, tem pouco orgulho, mas é no geral uma classe muito contentada, e tal contentamento surge sobretudo pela quase nenhuma educação (escolaridade) que possuem, fruto da má governação.
Nível II - Essa classe também sofre, mas sofre menos do que a anterior. Esse grupo tem um rendimento que lhe permite alimentar-se mais ou menos bem, mas também pode poupar alguma coisa e até investir. É uma classe com algum brilho na pele, não anda de transportes públicos, tem transporte pessoal ou usa o azulinho e muitas vezes os transportes personalizados. Essa classe, em rigor, não frequenta hospitais públicos, sendo que muitos têm seguros de saúde e usam clínicas privadas. O seu tratamento na administração pública tende a ser diferente, porque têm links e podem pagar mais do que o necessário para serem bem servidos. Não temem tanto as chuvas, embora algumas vezes a sintam na pele, muito por conta dos problemas de saneamento do país. Esta classe algumas vezes pode dar-se ao luxo de ir a bons restaurantes e viajar com alguma dificuldade para fora das fronteiras de Angola. É uma classe que, apesar de ter algum rendimento, ainda tem o padrão de vida condicionado e providencia péssimos serviços, quer sejam públicos ou privados. Com o padrão de vida a cair cada vez mais, esta classe está numa posição complicada, ou seja, pode ascender ao nível mais alto ou muito provavelmente retroceder para o nível mais baixo.
Nível I - Esses têm brilho na pele, andam com carros de luxo, sendo a maioria comprado com recursos de todos. Frequentam os lugares mais luxuosos de Angola e muitos deles nem sequer conhecem o K9 de Viana ou, por exemplo, o bairro dos malanginos. É comum essa classe tratar da sua saúde fora do país e por essa razão desconhece a realidade macabra dos hospitais públicos. A maioria não paga combustível, cujos subsídios foram parcialmente removidos. Essa classe é a de sonho de muitos que estão na II. Por alguma razão, a classe de top não parece satisfeita, parece até querer o céu. Ó Deus! Essa classe, em rigor, toma as decisões do país directa e indirectamente e muitos deles são os principais responsáveis pela actual miserável vida da classe III. Essa classe sente os ganhos da paz de forma absoluta, enquanto as outras apenas a sentem de forma relativa.
(Leia o artigo integral na edição 731 do Expansão, desta sexta-feira, dia 30 de Junho de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)