União Africana
A crise na RDC e no Sudão veio destapar novamente esta tampa. Se não é connosco, se não tenho nada a ganhar ou a perder, então não me meto. Esse é um enorme perigo. Os países africanos têm vindo a perder paulatinamente a sua soberania por via das dívidas que vão acumulando, embora quase nenhum admita isso, mas a verdade é que caminhamos todos para nos entregar a uma estratégia americana, chinesa ou europeia.
Angola vai assumir a presidência da União Africana numa altura em que uma disputa territorial entre a RDC e o Ruanda, com o M23 pelo meio, vai ganhando contornos preocupantes e ameaça o equilíbrio da nossa região. Como parece ser do interesse dos países mais poderosos do mundo, as nações mais influentes olham para o lado, vai-se percebendo que terão de ser os africanos a tratar desta questão. Tal como no conflito no Sudão, que vive uma guerra civil desde Abril de 2023.
O continente vive há décadas este espectro da guerra, que salta de território em território de uma forma cíclica, sem que exista uma liderança forte em África. A responsabilidade cabe especialmente aos países com economias mais fortes e sistemas de segurança mais apurados. Na procura pela supremacia no continente, estes países africanos acabam por dividir em vez de se juntar, apoiados por quem vive mais longe e tem apenas interesse na riqueza dos territórios.
Isto explica muito porque as organizações africanas, de que é exemplo a União Africana, não se assumem como plataformas importantes na geopolítica mundial. Por exemplo, não há um plano industrial africano comum, o mercado único não avança, e a possibilidade de uma moeda única, tal como aconteceu na Europa, é na verdade uma enorme ilusão, por enquanto. Mas os primeiros passos têm de ser dados. Se olharmos para as dez economias fortes do continente - África do Sul, Egipto, Argélia, Nigéria, Etiópia, Marrocos, Quénia, Angola, Costa do Marfim e Tanzânia - que projectos em comum, sejam económicos ou de defesa, com a participação de todos, existem?
Na verdade, os países africanos preferem a "amizade" de países fora do continente do que dos vizinhos. Pode argumentar-se que existem conflitos de território que nunca foram resolvidos e alimentaram esta divisão, que as alianças do passado de alguns ainda marcam o presente, que não se pode confiar em determinados países pela postura que tiveram ao longo dos tempos. Também é verdade que esta cooperação não se faz por decreto, mas por interesse. Mas é assim em toda a diplomacia internacional.
A crise na RDC e no Sudão veio destapar novamente esta tampa. Se não é connosco, se não tenho nada a ganhar ou a perder, então não me meto. Esse é um enorme perigo. Os países africanos têm vindo a perder paulatinamente a sua soberania por via das dívidas que vão acumulando, embora quase nenhum admita isso, mas a verdade é que caminhamos todos para nos entregar a uma estratégia americana, chinesa ou europeia.
Este é o grande desafio para a presidência angolana da União Africana: conseguir que as nações pensem primeiro em África, que os dirigentes percebam que só juntos vão conseguir melhorar a vida dos cidadãos africanos. Não podemos continuar de mão estendida para o mundo.