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Opinião

As exportações industriais de Angola

Laboratório Económico

A maximização das exportações depende do país possuir transportes aéreos e marítimos funcionais

Angola desde a sua independência que tem vindo a aplicar um modelo de crescimento económico cujo pilar estratégico fundamental tem sido a extracção de petróleo. A indústria transformadora foi uma das vítimas da política cambial do kwanza forte e a agricultura foi-se definhando devido às implicações da guerra e aos movimentos da população em direcção aos centros urbanos mais abrigados do conflito militar.

Face à crescente desindustrialização do País, foi-se afirmando a ideia de que a forma de a travar e retornar aos "bons velhos tempos", em que a manufactura chegou a representar 17% do PIB, era a de aplicar um modelo de defesa da indústria nacional, principalmente articulado na protecção aduaneira, no acesso facilitado ao crédito para investimento e numa panóplia de incentivos fiscais e de outra natureza que pudessem alavancar as decisões empresariais de aumento da oferta interna. Esta protecção a uma indústria que apresentava já claros sintomas de esclerosamento tecnológico era defendida em nome da geração de emprego, da redução do desemprego, da multiplicação dos rendimentos, do combate à pobreza e da defesa dum empresariado nacional emergente.

Faziam, ainda, parte das bases deste modelo de salvação da indústria nacional, uma estratégia de desenvolvimento movida a intenso capital estatal - construção dum forte sector empresarial do Estado - e propostas tendentes a controlar a entrada e a saída de capitais, estabelecer regimes de preços fixos e inalterados e fiscalizar a actividade empresarial privada. Ou seja, criou-se uma espécie de nacional-desenvolvimentismo estatal, do qual se esperava, com o financiamento possibilitado pelas receitas petrolíferas e mesmo numa situação de intenso conflito militar, uma recuperação significativa da produção interna.

A indústria transformadora é em qualquer país e independentemente da abordagem teórica o grande alfobre da competitividade. Pode, também, ser um criador líquido de emprego, mas o que se espera da indústria transformadora é que aumente, sistematicamente, a sua capacidade de gerar valor adicionado, de disputar quotas do mercado internacional, de proporcionar desenvolvimento tecnológico e inovação, de incrementar a produtividade e de exercer uma forte influência numa estratégia de diversificação das exportações. A diversificação das exportações - para que funcione e seja um estímulo ao crescimento económico - não pode alavancar- -se nos produtos de base e nas matérias-primas agrícolas, mas, pelo contrário, estruturar-se em bens transaccionáveis de elevado valor adicionado e de grande incorporação tecnológica.

Então, qual a melhor forma de defender a indústria transformadora? Protegendo, artificialmente, a economia, por intermédio dum modelo administrativo de substituição de importações, ou blindando-a com uma competitividade estrutural, edificada com alicerces reais, como a base tecnológica, a inovação, o capital social, um sistema de infraestruturas de qualidade e de alto teor de eficácia, o capital humano, o empreendedorismo e a empregabilidade, a funcionalidade da Administração Pública e a racionalidade dos sistemas fiscais, judicial, de educação e formação profissional (contínua), etc.?

Este argumento foi desenvolvido pelos economistas da CEPAL - Comissão Económica para a América Latina da Organização das Nações Unidas - e inspirou a política comercial de muitos países latino-americanos (Brasil, Argentina, para citar os mais importantes da região). Raúl Prebisch (economista argentino) foi o mentor deste modelo. O ponto de partida foi a constatação de que os países menos desenvolvidos, tradicionais exportadores de matérias-primas e produtos de base (produtos primários) e importadores de industrializados, tendiam a ser permanentemente prejudicados no comércio internacional, porque as razões de troca lhes eram desfavoráveis.

Num mundo em que se aposta - porque outra alternativa não existe - na abertura económica e na participação da globalização, a aquisição duma competitividade estrutural não é compaginável com uma exagerada protecção.

Argumenta-se que os limites do modelo de substituição de importações, para além da sua evidente desadequação ao mundo de hoje, são dados pelos aspectos seguintes: os mercados internos têm de apresentar uma dimensão razoável, tem de existir um bom suporte e domínio tecnológico interno, tem de estar criada uma excelente base de capital humano, a pequena dimensão dos países que pretendem, ainda, implementar um modelo desta natureza, determina que os empresários nacionais não possam fazer investimentos em pesquisa e desenvolvimento (I&D), a protecção engendra ineficiência.

Vantagens comparativas

Angola possui um conjunto determinado de vantagens comparativas no contexto da SADC que importa que o sector privado explore. Como é consabido, a produção de bens e serviços tem apenas dois destinos: para abastecimento dos mercados internacionais (exportações) ou então para o mercado interno intermédio e final (substituição de importações). Em qualquer um dos casos, é essencial garantir as respectivas competitividades, por intermédio de ajustamentos estruturantes (formação, inovação, tecnologia, gestão e organização) e não através de factores conjunturais e passageiros, como os baixos salários, os incentivos financeiros e fiscais, os subsídios, etc.

Existe um agregado de indústrias que, no contexto africano e em particular da SADC, apresenta vantagens comparativas evidentes, devendo a política industrial facilitar o seu aprofundamento e promover o aparecimento de nichos de modernidade industrial, capazes de polarizarem determinados efeitos sobre outras indústrias.

De acordo com um estudo realizado por mim próprio e usando duas versões da fórmula que nos dá o rácio denominado RCA ("Revealed Comparative Advantage") - uma mais lata e outra expurgada dos efeitos decorrentes da dimensão económica dos países (volume das exportações) - cheguei aos resultados seguintes:

? Apesar da guerra e das suas pesadas consequências, Angola não é portadora de nenhuma inabilidade estrutural para a exportação de produtos potencialmente competitivos no mercado africano e regional da África austral; a prová-lo estão, por exemplo, as exportações de pasta de papel (cerca de 13,7 milhões de USD em 1971, ou um pouco mais de 105 milhões de USD aos preços actuais) e a produção de óleos vegetais (38 milhões de USD aos preços actuais) e de açúcar (quase 90 milhões de USD aos preços actuais);

? Pelos valores do RCA o país apresenta evidentes vantagens competitivas para a exportação de petróleo e produtos derivados e para as manufacturas de minerais não metálicos e patenteia algumas vantagens relativas nos outros produtos alimentares e outras indústrias transformadoras, para a madeira e produtos derivados, para os têxteis, para o açúcar e derivados;

? Aos produtos anteriores deverão ser acrescentados os que no passado detiveram uma percentagem significativa nas exportações do país e que podem ser considerados como fazendo parte duma certa tradição industrial angolana: pasta de papel e papel, tabaco, algumas bebidas e o tabaco processado.

Alguns valores do rácio RCA alargado sugerem algumas considerações adicionais quanto à capacidade/possibilidade de alguns produtos poderem, num processo concertado de reconversão e recuperação industrial, fazerem parte das actividades do comércio externo do país. Por exemplo, o valor patenteado para a gama de produtos minerais não metálicos coloca Angola numa posição potencialmente mais vantajosa relativamente a muitos países da SADC, incluindo a África do Sul. Estão neste caso as rochas fosfatadas de alto teor e o cimento. Relativamente às primeiras, os jazigos - avaliados em mais de 100 milhões de toneladas - situam-se na província de Cabinda e dispõem duma localização privilegiada, a apenas 16 km da costa. Um projecto bem dimensionado poderia conduzir à produção de 300 mil toneladas de ácido fosfórico e de 100 mil toneladas de superfosfatos anualmente. Para além dos efeitos directos e imediatos sobre a agricultura nacional, seria possível aumentar as exportações de bens manufacturados, em cerca de 210 milhões de dólares anuais.

Quanto ao cimento, estão perfeitamente delimitadas as enormes potencialidades do país, mormente no que se refere à conquista de algumas franjas dos mercados limítrofes deficitários neste produto.

Outra gama de produtos a ter em devida conta numa estratégia de reindustrialização e de valorização dos recursos naturais nacionais é a dos minerais não ferrosos - apesar do valor nulo do respectivo RCA -, donde se destaca o cobre. Angola dispõe de importantes jazigos nas províncias do Uíge, Kuanza-Sul e Kuando-Kubango.

As gamas constituídas pelas indústrias metalúrgicas e de produtos metálicos apresentam, segundo os valores do correspondente RCA, vantagens comparativas nulas, donde e dum ponto de vista estático, Angola não estar capaz de disputar este mercado aos seus parceiros regionais. A questão, porém, muda de figura se a análise for dinâmica e deslocada para o campo das perspectivas e das potencialidades. Pode, em princípio, defender-se que o país disporá de vantagens competitivas adicionais em todas as gamas industriais de energia-intensivas (energia hidroeléctrica ecologicamente limpa), como é manifestamente o caso da laminagem do ferro e do aço - donde poderão resultar produções de fio-máquina, barras e perfilados diversos - e do alumínio.

A maximização das exportações nos domínios económicos apontados, depende do país possuir um sector de transportes aéreos e marítimos funcional, eficiente e bem dimensionado, de modo a que não sejam as frotas estrangeiras a auferirem o grosso das receitas, transferindo-as para o exterior. 1 Este artigo é um extracto directo de um texto escrito em 20 de Setembro de 2005 e apresentado no workshop sobre a "estratégia de desenvolvimento e reforço da capacidade das instituições de promoção do comércio e do investimento", promovido pela Câmara de Comércio e Indústria de Angola.