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"A arte africana traz sempre uma mensagem, tem sempre um propósito"

CARLA PEAIRO | ARTISTA PLÁSTICA

Com 40 anos de carreira, a artista plástica defende a revalorização dos desenhos feitos na areia, arte pertencente ao povo Côkwe, bem como a sua implementação no sistema de ensino nacional. A artista inaugurou uma exposição dupla, no Palácio de Ferro, que ficará patente até 30 de Abril.

Inaugurou esta quinta-feira, dia 27, a exposição "Sona-Traços De Uma Herança". Que técnicas usou nas suas obras?

Apresento cerca de 30 peças em várias técnicas, acrílico sobre tela, óleo sobre tela, técnica mista, colagem e também algumas peças em arte têxtil, colagem com fios de vários tipos e aplicação sobre cera, selagem manual, sugerindo uma leitura estética e utilitária como consequência da apropriação positiva dos códigos da arte de escrita Sona.

Há dois anos que Sona é Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO. Que mensagem traz nas suas obras?

Esta exposição pretende revalorizar e preservar o trabalho feito pelos nossos ancestrais, os antepassados, os Akwa kuta Sona, que são os mestres que desenhavam na areia, arte Sona, para transmitir mensagens aos jovens que passavam pelo ritual da Mukanda e do Mungongue, ritual de passagem da puberdade à idade adulta. Esses desenhos serviam para transmitir mensagens para a sociedade e para o clã. Eram mensagens, que naquele tempo, faziam parte de uma elite de desenhadores, pintores, ferreiros, tecelões e que ficou registada em livros feitos pelos pesquisadores que visitaram a região leste de Angola, como Mário Fontinha, Emily Peterson, Gerhard Kubik. O registo serviu para várias aplicações em sistemas de ensino fora de Angola.

E o objectivo..

O objectivo desta exposição é precisamente o de falar sobre a importância desses desenhos para a nossa sociedade, principalmente a sociedade estudantil. Que merece, portanto, conhecer esta prática ancestral e utilizá-la para poder desenvolver certas faculdades, certas características como são a memória, a concentração, a criatividade, o gosto pela pesquisa e por tudo o que é experimental.

É possível resgatar essa forma de escrita para a nossa realidade?

É possível, sim. Os resultados da minha pesquisa confirmam o facto de que é necessário e a minha avaliação tem sido boa, uma vez que eu utilizo os Sona nas minhas aulas de arte, com várias aplicações e noto que há um grande interesse da parte dos estudantes em aprender e praticar o Sona.

... É um projecto que deveria ser aplicado no ensino geral?

Sim, por isso estou cá em Luanda para despertar o interesse do público. O motivo é mesmo esse. Aliás, quando eu fiz o meu trabalho de pesquisa na Suíça, fui colocando a pergunta: que importância tem o Sona em atelier de expressão e criatividade? Ora, estes ateliers de expressão e criatividade abrangem todas as áreas de ensino.

Disse que aplica o Sona, enquanto professora, em que nível lecciona?

Este ano estou a leccionar o ensino de base, onde estou a trabalhar com alunos de 12, 13 anos e aplico nas minhas aulas.

Quanto tempo de pesquisa levou a exposição?

Dedico-me à pesquisa do Sona desde os anos 2000. De início utilizava nos meus quadros um pouco como adorno, como simbologia e, mais tarde, desenvolvi esse gosto pela simbiótica e comecei a estudar os símbolos gráficos na África Negra, através de livros. A partir daí, desenvolvi mais interesse e, à medida que encontrava o Sona, fui alertada pelo Dr. Luís Kandjimbo sobre a maneira como abordava os símbolos gráficos na minha pintura e então interessei-me ainda mais em procurar bibliografia, que não foi fácil, a maioria dos livros encontra-se fora de Angola. Aí comecei o meu trabalho de pesquisa, que terminei na Suíça em 2011, e até agora aplico o Sona na minha arte.

Essa pesquisa resultou também em livros ou artigos científicos? Se sim, estão à disposição?

Resultou num artigo científico que, por enquanto, ainda não está à disposição em Angola, ficou na biblioteca da Suíça. De qualquer forma, sempre será possível um dia ou outro publicá-lo.

Uma vez que há escassez de referências bibliográficas no País, não seria um ganho para a sociedade a publicação da sua pesquisa cá?

Sim, na área das artes plásticas. Porém, acredito que já está algo publicado ao nível das matemáticas pela Universidade Lueji A"Nkonde, do Dundo, uma vez que já foi feito um trabalho de pesquisa sobre isso, acho que foi mesmo a partir daí que houve o Decreto Presidencial do Sona como Património Cultural e Imaterial de Angola e a seguir agora pela UNESCO. Portanto, há material, já foi investigado, já há pessoas que se interessam. O que é importante agora é, de facto, aplicar o Sona no sistema de ensino para se poder ver os resultados e poder fazer, de facto, uma avaliação. Eu sozinha só não chega.

Leia o artigo integral na edição 819 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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