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"O que me deu mais forças para avançar foi o nível de delinquência"

Tumba Malanga Camunga

Apaixonou-se pela música clássica desde cedo e, ano após ano, foi alimentando em si o sonho de criar uma orquestra, que acabou por transformar-se num instrumento de intervenção social. Em 10 anos, a Orquestra Sinfónica Camunga tirou muitas crianças da delinquência. Alimenta e dá instrução a 500 crianças, graças às doações de poucas empresas.

Como surgiu a ideia de criar a Orquestra Sinfónica Camunga?

Na verdade, surgiu porque o meu pai viajava muito a serviço e, nestas viagens, sempre nos trouxe como presentes algumas cassetes de óperas, que todos assistíamos em casa. Com o passar do tempo, começámos a ganhar gosto por aquilo e já nos imaginávamos a ter uma orquestra, algo que era também objectivo do meu pai. Aos 7 anos de idade, o meu pai ofereceu-me um piano e um professor começou a dar aulas de música. Aí começou a grande paixão e o objectivo, meu, de ter uma orquestra.

Não era normal uma criança com a sua idade interessar-se por música clássica. Para os angolanos, seria um Semba, um Kuduro...

Sim. É verdade. São ritmos com que estamos mais familiarizados (risos). Mas eu optei por uma orquestra. O classicismo.

Como era visto pelo seu grupo de amigos?

Na verdade, era muito difícil. Mas grande parte dos meus amigos era cristão, então aceitavam minimamente bem, tanto que passámos a ensaiar na igreja, ensinávamos os outros irmãos. Já as outras crianças, do meu bairro, é que achavam um pouco estranho, dada a idade e o meio em que estávamos inseridos. Diziam que era uma música muito lenta, que era música para os brancos, que não se enquadrava em África, Angola e que não haveria de funcionar. Mas a música clássica era a minha paixão e fui seguindo o caminho para alcançar a minha meta.

Em algum momento sentiu-se mal, envergonhado por causa das considerações dos seus amigos?

Nem pensar. Não me sentia mal, nem envergonhado. Dava-me força de os incentivar a aprender outros estilos musicais, de forma a aumentarem a sua cultura geral. Aliás, cada um tem o seu parecer e preferência.

Ou seja, trouxe-os para o seu mundo?

Com certeza. O interesse foi surgindo e até dei "aulas" sobre o renascimento da música, a sua importância na vida do ser humano, estudamos física e matemática. Porque a música, em si, reúne uma série de elementos. Falamos sobre o efeito terapêutico da música, a musicoterapia.

Quando é que criou efectivamente a Orquestra Sinfónica Camunga?

Este não era um sonho meu isolado. Aliás, a motivação era do meu pai, que acabou por nos transmitir também. Então, viajámos por várias províncias devido ao serviço do meu pai e fomos tentando estabelecer a orquestra em qualquer paragem que fizéssemos. Infelizmente, o meu pai faleceu no Cunene e nós precisámos voltar para Luanda, isto em 2004-2005. Estando cá, questionei como fazer o projecto avançar, uma vez que o meu maior incentivador tinha partido para o além. Como não tinha emprego, mas tinha profissão, decidi começar a montar o tecto falso e ladrilhar e fui economizando. Em 2010, tentei e fracassei, mas em 2011 decidi que era o ano. Graças a Deus, consegui algum dinheiro e comprei 15 violinos, na altura custavam 100 USD. Eu tinha feito um trabalho que me rendeu cerca de 6 mil USD. Então, comecei a dar aulas.

Como fez para conseguir os primeiros alunos?

Fui andando e chamando as crianças na rua. Começámos aqui na Corimba e fui subindo para o bairro Rocha Pinto. Mas, o que mais me deu forças para avançar foi o nível de delinquência. Todos os dias via luta de gangues pelas ruas e não me agradava. Pensei em incentivá-los a aprender a tocar um instrumento vieram e a orquestra foi crescendo.

Além do sonho que tinha, a delinquência acabou por impulsionar o arranque do projecto?

Sim, porque via muitos miúdos a perderem-se. Pensei, eu posso fazer algo por eles. Então avancei mais rapidamente com o projecto para ajudar as crianças, adolescentes e jovens. Comecei por procurar aquelas em situação mais vulnerável e comecei a trazê-las para o quintal da minha mãe e fui ensinando.

Começou com quantas crianças?

Cinco crianças, dos 6 aos 11 anos, e o número foi crescendo. Os mais crescidos eram dos 18 em diante.

Foi fácil convencer alguém já com vícios a sentar-se para aprender um estilo musical totalmente estranho?

Não. Não foi fácil. Tivemos de fazer um trabalho muito profundo porque eles não tinham noção do que era a música clássica. Muitos ficaram no projecto, mas a maioria desistiu. Os que ficaram, hoje são professores também. Vamos fazer agora 10 anos.

(Leia a entrevista integral na edição 639 do Expansão, de sexta-feira, dia 27 de Agosto de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)