Governo prepara 392,9 mil milhões Kz em títulos para pagar dívidas atrasadas
A utilização destes instrumentos para pagar a fornecedores locais tem sido uma prática bastante comum em Angola, mas é muito contestada pelo empresariado, já que esta forma de pagamento não dá liquidez à tesouraria das empresas, obrigando-as a "perder" dinheiro no mercado secundário.
O Governo vai voltar a utilizar Obrigações do Tesouro (OT) para pagar dívidas atrasadas às empresas, depois de ter publicado em Diário da República a autorização para uma emissão deste instrumento de dívida titulada num valor máximo de até 392,3 mil milhões Kz, repetindo uma fórmula muitas vezes contestada pelo empresariado nacional, que prefere receber os pagamentos em "cash".
O Decreto Executivo 385/25, de 17 de Abril, veio apenas confirmar o que já estava previsto no Plano Anual de Endividamento (PAE) 2025: 382,3 mil milhões Kz em Obrigações do Tesouro para a regularização de atrasados do Estado.
Segundo o decreto, as OT serão entregues aos credores do Estado que tenham celebrado um "acordo de regularização da divida pública interna fundada com o Ministério das Finanças", com um valor facial de 1.000 Kz cada um e com uma taxa de juro fixa ainda por definir. Quanto às condições de reembolso, terá prazos desde 4 até 20 semestres, com o pagamento dos juros a ser feito semestralmente. No PAE 2025, refere que sempre que "as condições do mercado permitirem", poderá ser feito o "repasse da tesouraria" aos credores, o que, apesar de tudo, o decreto parece agora excluir.
A utilização de instrumentos de dívida para pagar a fornecedores locais tem sido uma prática bastante comum em Angola, mas que acaba por ser muito contestada pelo empresariado, já que essa forma de pagamento não dá liquidez à tesouraria das empresas. Caso as empresas necessitem de liquidez imediata, podem recorrer ao mercado secundário de dívida, obviamente com um desconto face ao valor facial, o que faz com que "percam" dinheiro face ao que o Estado lhes deve.
Em declarações ao Expansão, um consultor internacional, que solicitou anonimato, considera que o pagamento da dívida atrasada em Obrigações do Tesouro acaba por ser uma opção que as empresas têm que aceitar, e não é um "bom sinal" dado aos potenciais investidores na economia nacional. "Isto não é nada bom sinal e é mais um indicador de que parece faltar dinheiro para fazer face aos compromissos", disse, acrescentando que este tipo de decisões fazem com que os investidores internacionais exijam juros mais elevados para compensar o agravamento dos riscos que estas medidas transmitem.
Os atrasados são um desafio à economia do País, já que retira capacidade financeira às empresas que forneceram um serviço ou bens ao Estado. No relatório do FMI relativo à última avaliação no âmbito do artigo IV, datado de Março, o fundo alerta que os pagamentos internos em atraso continuam a ser um desafio que reflecte as deficiências persistentes no controlo das despesas e na gestão de tesouraria. O FMI revela que com a sua assistência técnica e a introdução de um novo quadro jurídico em 2021 os grandes saldos acumulados desde 2014 foram reduzidos.
No entanto, alerta que "não obstante estes esforços, continuaram a surgir novos pagamentos em atraso, reflectindo (i) fracos procedimentos de controlo das autorizações orçamentais, (ii) atrasos no reconhecimento e orçamentação dos pagamentos em atraso devido a um registo inadequado das facturas e (iii) uma fraca previsão dos fluxos de caixa".
Para fazer face a estes desafios, defende a instituição multilateral, "será necessário reforçar a aplicação das regras de execução orçamental, registar as facturas na fase de verificação para permitir uma orçamentação mais realista dos pagamentos em atraso e reforçar as práticas de previsão e gestão dos fluxos de tesouraria".