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Angola

"Biscates" ganham espaço em Luanda e o desemprego é a principal causa

HÁ QUEM FAÇA O TRABALHO A TROCO DE COMIDA

Um percorrem longas distâncias com megafone na mão, à procura de clientes, outros preferem deambular pela rua, a bater de porta em porta. Há ainda quem fique sentado à porta de armazéns, para ajudar a descarregar mercadoria. O método não importa, o que é preciso é garantir a subsistência.

Vivem, na sua maioria, na periferia da cidade. Saltam da cama nas primeiras horas do dia em busca de um meio para a sua subsistência e da família. São homens e mulheres desempregados, que há poucos ou muitos anos percorrem longas distâncias em busca de trabalho, de qualquer natureza, com o objectivo de ganhar algum dinheiro.

Em Luanda, são conhecidos como biscateiros pelo facto de fazerem pequenos serviços ocasionais, geralmente de natureza informal, a troco de remuneração, muito baixa, na maioria, de acordo com a natureza do serviço proposto. Mas há também quem o faça a troco de comida. O número elevado de jovens sem formação académica e profissional e a falta de empregos fazem com que, a exemplo do que sucede um pouco por todo o país, cada vez mais pessoas recorram a biscates como forma de ganhar a vida.

Alguns estão localizados nos mercados informais (praças), nas ruas e em alguns pontos estratégicos. Outros preferem deambular por várias ruas e, porta a porta, procuram encontrar trabalho. Por pior que seja, ou mal pago, o importante é chegar ao final do dia com alguns trocos no bolso.

Entre os serviços requisitados, as mulheres dedicam-se maioritariamente a trabalhos domésticos, que consistem em lavar, engomar, cozinhar e arrumar a casa. A maior parte das entrevistadas trabalhavam como domésticas, mas foram despedidas por causa do contexto da pandemia da Covid-19. Outras nem tiveram de esperar pela crise pandémica para entrar nas estatísticas do desemprego, pois a crise financeira fez o trabalho completo e há muito que ficaram sem fonte de rendimento.

Já ninguém contrata

Numa das ruas do distrito Neves Bendinha, o Expansão encontrou Nelsa. Com um balde cheio de água nas mãos, abriu a porta para despejar a água com que acabava de limpar o chão da primeira casa onde trabalhou nesta terça-feira. Pouco depois das 11h00 já tinha arrumado uma casa de três quartos, sala e banheiro, trabalho que lhe rendeu apenas 1.000 Kz. Nelsa, que é mãe de dois filhos, de 8 e 11 anos, diz que o pai das crianças não ajuda em nada e como elas já estão em idade escolar começou a procurar trabalho como doméstica durante todo mês, mas só encontrou biscates e, como diarista, termo que vem do Brasil, consegue uns trocados com os quais põe comida na mesa e prepara os filhos para o regresso às aulas.

"Aqui, nos bairros, já não há patroa que esteja a contratar empregada para trabalhar durante um mês, porque o salário no mínimo é de 40 mil Kz e elas dizem que não têm dinheiro para pagar. A única coisa que resta é contratar moças para fazerem os serviços e receberem por dia. Eu trabalho, por exemplo, nesta casa como arrumadeira e ganho 1.000 Kz. Isso acontece duas vezes por semana, mas também trabalho noutra casa, onde lavo roupa de 5 pessoas e recebo 2.000 Kz. Praticamente já tenho um contrato com elas e ligam para mim assim que precisam", explicou.

A nossa reportagem esteve no sector 5 do Bairro Palanca, numa zona que está entre o bairro Palanca e o Bairro Popular, chamado Anangola. Um local conhecido pelos níveis altos de pobreza e delinquência, mas também onde a maior parte das pessoas se dedica a realizar estes trabalhos ocasionais.

Contar com a sorte

À entrada do bairro Anangola, chama a atenção o número elevado de crianças, a partir dos primeiros meses de vida, espalhadas pela rua sem a supervisão de um adulto. Esquadra policial, escola ou hospital são infraestruturas que não existem no bairro. Um olhar atento às poucas ruas do bairro leva a crer que qualquer projecto do Governo ligado ao combate à pobreza não faz ali morada. E a sorte é um elemento determinante para quem vive na zona escapar à delinquência ou ao infortúnio.

É neste bairro que encontramos tia Guida, idosa de 65 anos e engomadeira desde a jovem. Viúva e mãe de um filho já com idade adulta (mas que não trabalha por ter problemas de saúde), tia Gui[1]da vive numa casa de chapa, sem canalização, electricidade ou algum eletrodoméstico básico.

"Menina, menina, está à procura de pessoa para engomar?" A pergunta é atirada sempre que passa uma pessoa pela rua. É assim que tia Guida, normalmente, angaria os serviços. A idosa, que apesar da idade tem de trabalhar por não ter outras fontes de rendimento, disse que engoma em duas casas para receber 2.000 Kz por um dia inteiro de trabalho, dinheiro que assegura a refeição à mesa.

(Leia o artigo integral na edição 687 do Expansão, de sexta-feira, dia 12 de Agosto de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)