Digitalização da administração pública vai elevar número de ciberataques em Angola
O uso de softwares piratas, literacia digital e vulnerabilidades legais são os grandes desafios do ciberespaço angolano. SIC registou, só em Luanda, mais de 1.400 crimes cibernéticos desde Janeiro.
Espera-se um número massivo de ataques cibernético com a digitalização dos serviços da administração pública prevista no Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN 2023-2027). Um aumento que pode ser 20 superior face aos números de ciberataques actuais, caso as entidades públicas e privadas continuem a utilizar softwares falsos e obsoletos, nomeadamente Windows e pacotes office e outros softwares que não sejam genuínos, de acordo com Manuel Fragão vice- -procurador geral da República, que falava durante a conferência nacional sobre cibercrime, que decorreu, nesta semana, em Luanda.
Os números actuais dos crimes cibernéticos, desde Janeiro deste ano, registados pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), em Luanda andam à volta de 1.430, dos quais 654 são crimes de burla informática, 525 de atribuição de falsa identidade, 206 de acessos ilegítimos foram cometidos e 45 de extorsão sexual.
Entretanto, estes são apenas os números de crimes reportados pelas vítimas ou que, de alguma maneira, chegaram ao SIC Luanda, sem contar com o número das outras 17 províncias. Ou seja, os números reais serão maiores, já que existe ainda uma enorme falta de cultura de denúncias, quer de particulares, assim como das entidades colectivas, que ocultam a ocorrência destes crimes, muitas vezes, para protegeram a sua reputação.
Segundo Manuel Fragão, que analisou "o crescimento do cibercrime e do seu impacto em Angola", na conferência organizada pela Penttinali (empresa angolana especializada em Compliance, Investigação Forense Digital e Inteligência Cibernética) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), a falta de cultura de denúncia, muitas vezes, tem estado a provocar perdas financeiras às entidades envolvidas.
"Recentemente tivemos um caso de ransomware [software malicioso que criptografa os dados da vítima até que um resgate seja pago], a empresa teve que pagar 75 mil USD aos criminosos e mesmo assim não recuperou os dados", referiu, sem avançar o nome das entidades para não expor a vítima.
Além do uso de softwares que não são autênticos ou opensource (de código aberto) e que não oferecem segurança das redes das entidades e vulnerabilidades legais, há também o facto de os funcionários serem, na sua maioria, "incautos quando se tratam de sistemas informáticos da função pública, fruto da fraca literacia digital generalizada em Angola", disse o responsável.
Contudo, o avanço para a digitalização dos serviços é inevitável à medida que a população cresce e o consequente aumento de pressão sobre a administração pública para responder ao aumento da procura de serviços, por um lado e, por outro, para "a descentralização da administração pública exigirá uma maior coordenação entre o governo local e os diferentes ministérios, como justifica o PDN 2023-2027.
Para a advogada Maria dos Santos, que foi também uma das conferencistas, este avanço deve ser feito com parcerias e uma aposta muito séria na formação das pessoas, que são parte fundamental neste processo de digitalização que visa aumentar a eficiência dos serviços públicos, além de investimento em equipamentos e a constantes actualizações dos sistemas informáticos.
De acordo com o procurador-geral da República, Hélder Pitta Gróz, a PGR criou o Gabinete de Cibercriminalidade e Prova Electrónica para auxiliar a actuação dos órgãos da procuradoria junto dos órgãos de investigação criminal. O objectivo é garantir que os crimes informáticos, que tramitam em Angola, sejam céleres, além de criar uma plataforma de intercâmbio entre os magistrados do ministério público. "A criminalidade informática nos impõe desafios permanentes e urgentes, pelo que devemos olhar para todos os mecanismos de cooperação que se asseguram úteis e neste sentido realçamos a Convenção de Budapeste, que nos parece um porto seguro", disse o procurador quando abria a conferência. A Convenção de Budapeste é um tratado internacional de Novembro de 2001 e assegura o combate crimes cibernéticos ao promover a cooperação entre países. Embora seja uma convecção do conselho europeu, é instrumento aberto a adesão de outros países do mundo.
Há países que tem proximidade com Angola que já aderiram ao tratado, como Brasil e Cabo Verde sendo que Moçambique já tem o processo bem avançado para aderir a este pacto. Pitta Gróz considera ser um instrumento que resistiu "à prova do tempo cujo mecanismo de cooperação e de assistência técnica tem-se revelado bastante útil". E acrescentou: "a procuradora geral da república empenhar-se-á junto dos órgãos competentes a adoptar análise da pertinência e utilidade da adesão de Angola a convecção de Budapeste no próximo ano".