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Angola

Economia e o MPLA são as maiores dores de cabeça do Presidente da República

Presidente João Lourenço entra no último ano do seu primeiro mandato

O Presidente João Lourenço está, por estes dias, por terras de Espanha, em visita oficial e no prolongamento da sua deslocação aos Estados Unidos, onde discursou na 76.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, e é em Espanha que passa este dia em que se assinalam quatro anos desde a sua posse, a 27 de Setembro de 2017

"Acabo de ser eleito democraticamente para um mandato de cinco anos como terceiro Presidente da República de Angola, em eleições ordeiras, pacíficas e entusiastas que tiveram o justo reconhecimento interno e internacional", disse o Presidente João Lourenço no seu discurso inaugural, em 27 de Setembro de 2017, e acrescentou, "serei o Presidente de todos os angolanos e irei trabalhar na melhoria das condições de vida e bem-estar de todo o nosso povo". E essa, apesar de tudo, parece ser a missão em que falhou.

O poder em Angola é unipessoal, ou pelo menos é essa a percepção que têm os cidadãos, para o bem e para o mal, tudo o que de bom e de mau se passa no país tem um responsável: o Presidente da República. Não por acaso, tem sido visível o desconforto que o Presidente tem revelado perante a elite que o auxilia enquanto Titular do Poder Executivo, isto é, os ministros. Do primeiro governo, nomeado em 2017, não restam mais do que meia dúzia de ministros no actual governo, que, entretanto, se reformou e encurtou, passando a 21 Ministérios. Mas nem por isso aligeirou a máquina do Estado.

Destes primeiros quatro anos, temos várias operações, entre a "Transparência" e a "Caranguejo" - que custou o cargo ao influente ministro de Estado e chefe da Casa Civil, o general Pedro Sebastião -; temos um pacote legislativo autárquico que se arrastou no Parlamento e as eleições que nunca aconteceram; temos a promessa de 500 mil empregos; temos o ProPriv e o Prodesi; o Simplex e mais recentemente o Registo Eleitoral Oficioso; temos um novo Código Penal e a substituição do juiz-presidente do Tribunal Constitucional na sequência de uma "revisão pontual da Constituição"; e um combate à corrupção que foi perdendo a convicção, ainda que não o sentido moralizador da sociedade.

No entanto, e como escreve o conselheiro da República Ismael Mateus num artigo de opinião no Jornal de Angola, "o combate à corrupção precisa de ser acompanhado de um conjunto de reformas que vão desde à transparência dos negócios e concursos públicos; fiscalização da sociedade civil e do Parlamento e ainda da melhoria da remuneração e condições salariais dos angolanos". E prossegue: "Apesar do combate declarado pelo Presidente, teme-se que as acções de fiscalização e prevenção não estejam suficientemente estabelecidas ao ponto de impedir adaptações camaleónicas de novos corruptos".

É economia, Angola!

O banco central assumiu mais protagonismo e a política cambial, apesar da desvalorização do kwanza, tem funcionado. "A moeda nacional ja" apreciou 6,8% face ao do"lar desde o ini"cio do ano, quebrando um ciclo de forte desvalorizac,a~o iniciado em 2018 com a alterac,a~o a` poli"tica cambial, que visou flexibilizar a taxa de ca^mbio. Tre^s anos e meio depois da reforma cambial levada a cabo pelo Banco Nacional de Angola (BNA), o diferencial, ou gap, entre as taxas no mercado formal e no informal esta" hoje abaixo do objectivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalizac,a~o", escreve Faustino Diogo na última edição impressa do Expansão.

E tivemos (temos) a pandemia da covid-19, que alterou as regras do jogo financeiro, mas, curiosamente, uma série de mecanismos internacionais permitiram aliviar do pagamento do serviço da dívida e dar alguma folga às finanças do país, a par de uma reconhecida consolidação orçamental. A dívida passou os 120% do PIB, em 2020, sendo que no final deste ano pode ficar em menos de 100%. Nos últimos dias, e com aumento do preço do barril de petróleo, ficamos a saber que as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) estão perto dos 10 mil milhões de dólares, um valor que não era atingido desde 2019, o que dá, mais coisa menos coisa, para 12 meses de importações.

Entre a economia e o "partido"

Alguma coisa foi feita, muito está por fazer, mas, e ainda assim, "tornou-se muito claro que o presidente Lourenço tinha uma postura de gestão de crise e não uma visão transformadora do país, aliás difícil de concretizar no contexto ultra-dependente do petróleo que existe em Angola", disse, recentemente, o académico da Universidade de Oxford, João Ricardo de Oliveira, em entrevista à agência Lusa.

O académico acrescenta que as dificuldades económicas e as divergências no MPLA são os principais problemas que João Lourenço vai ter de enfrentar em ano eleitoral.

O país continua dependente das matérias-primas, como sempre esteve, não gera emprego e não conquistou a diversificação económica, colocando a situação económica no centro das preocupações dos angolanos, argumenta Ricardo Soares de Oliveira.

O especialista em questões africanas olha para o MPLA com um partido "fossilizado" cujas referências ao passado se tornaram obsoletas na mente de 75% do eleitorado angolano, maioritariamente jovem. E "João Lourenço não se consegue livrar do passivo que vem com o MPLA. O partido é o que existe. As pessoas são o que são, ele pode livrar-se de dois ou três super corruptos porque acha que aquilo vai dar má imagem, mas não são só dois ou três, é uma fatia significativa da liderança do partido", continuou o investigador, admitindo que esta é também uma das razões pela qual João Lourenço não "limpou" o partido verdadeiramente.

Ricardo Soares de Oliveira sugere que João Lourenço poderá vir a dar alguns sinais políticos - falar mais da diversificação da economia e da criação de empregos, fazer anúncios do domínio da despesa social, saúde e educação, insistir no discurso de luta contra a corrupção - mas sem resultados práticos é um discurso de resultados imprevisíveis, além do que os recursos que deviam ser empenhados em melhor as "condições de vida" e o "bem-estar" do povo são igualmente necessários para alimentar clientelas e manter a máquina partidária relativamente coesa.

Outro dado importante, diz o investigador, é uma eventual reconciliação entre José Eduardo dos Santos (JES) e João Lourenço, o regresso do ex-presidente a Luanda pode ser fonte de preocupação adicional, face ao "sentimento difuso, em alguma opinião pública, de que afinal as coisas no tempo de Dos Santos não eram assim tão más", disse.

"As pessoas não estão propriamente a dizer bem de José Eduardo dos Santos, estão a dizer mal de João Lourenço", clarifica, mas a transformação da anterior presidência em algo benigno, é uma "ficção", compreensível no contexto actual, mas "perniciosa" face à oportunidade perdida de transformação real do país naquele período. "Penso que qualquer nostalgia que apague os factos da má governação de JES é inaceitável, mas percebo de onde essas vozes vêm", disse, ainda, o analista.

Por último, também acrescentou: "Como ainda falta um ano para as eleições, seria importantíssimo que a oposição desenvolvesse não apenas o discurso crítico do status quo, mas um verdadeiro projeto de mudança".

Enquanto isso, o Presidente João Lourenço está no Reino de Espanha, e de acordo com a agenda oficial do Presidente, João Lourenço tem previsto, para amanhã, dia 28, um almoço no Palácio da Zarzuela, a convite do Rei Filipe VI, a que se segue uma reunião com o primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez.

A cooperação entre Angola e Espanha faz-se nos domínios do transporte aéreo, agricultura, das pescas e indústria, e esta visita acontece cinco meses depois da visita de Pedro Sánchez a Angola.

As trocas comerciais entre Angola e Epanha renderam, nos últimos anos, cerca de 600 milhões de euros, diz a Rádio Nacional de Angola (RNA).