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Angola

Evitar o impasse político de olho numa economia mais dinâmica

OS DESAFIOS QUE O PAÍS ENFRENTA NOS PRÓXIMOS CINCO ANOS

A despartidarização dos serviços públicos e a promoção de uma sociedade mais equilibrada, com instituições dentro do mesmo espírito, pode ter um impacto positivo na economia. Luta contra a corrupção deve ser sustentada em melhores leis e por uma reforma da Justiça.

Mesmo com a maior parte da oposição a reclamar do processo e dos resultados eleitorais, desde ontem que o País entrou numa nova legislatura. E com enormes desafios pela frente. Temas como as autarquias, diversificação (real) da economia, o papel da comunicação social, dos tribunais e das instituições de regulação económica e social são os mais urgentes e também os mais problemáticos, tendo em conta a história do País. Há condições para um pacto nacional que evite o impasse?

As eleições gerais de 24 de Agosto foram as quartas consecutivas (2008, 2012, 2017 e 2022) depois do trauma de 1992, que adiou o País até ao fim do conflito. Os resultados oficiais, fortemente contestados pela UNITA/FPU e CASA-CE, reforçaram a bipolaridade e, ainda que o MPLA tenha sido decretado vencedor pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a pressão social vai aumentar num ambiente de maior consciência política e de pressão sobre o único partido que governou Angola desde 1975.

O processo eleitoral tem sido contestado também pela sociedade civil e por cidadãos de diversos quadrantes, que criticam a sua opacidade e o exagerado envolvimento dos partidos políticos na organização das eleições. Como se viu nas últimas semanas, sobretudo com a ameaça de não tomada de posse dos deputados na oposição, a discórdia sobre a composição da CNE - que no fundo segue a organização do parlamento, numa excessiva politização de um acto de cidadania - ameaça travar as instituições do País, arrastando a sociedade para um impasse com efeitos imprevisíveis para as famílias e as empresas.

"O eleitorado está dividido e tivemos as eleições mais disputadas de sempre, infelizmente sob um manto de suspeição. Isso lança algumas dúvidas sobre a nossa capacidade, enquanto País, de cumprir as leis que aprovamos", acredita Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA) em resposta às perguntas do Expansão. "Acredito que não há boas economias sem boas leis e sem instituições que respeitem as leis. Este manto de suspeição afecta a nossa credibilidade e afasta, naturalmente, os investidores sérios, rigorosos e submetidos a escrutínio dos seus accionistas e das sociedades onde actuam. Também não é à toa que a maior parte das instituições que actua em Angola, mesmo as nacionais, prefere que os conflitos sejam julgados em tribunais fora das nossas fronteiras", lembra Sérgio Calundungo.

Para Wilson Chimoco, o ponto mais importante não é tanto o processo eleitoral mas, sobretudo, a economia. "O desafio deverá girar em torno da diversificação e redução das taxas de desemprego", defende o economista em conversa com o Expansão. Só que abandonar a dependência petrolífera implica adoptar políticas públicas consideravelmente diferentes e corajosas. Tendo em conta os indicadores conhecidos e a sua própria história, o MPLA não apresenta um bom registo a este nível.

Um pacto democrático-económico

O contexto de disputa e maior pressão de grupos com poder ou relevância social não está centrado apenas nas eleições ou na diversificação da economia: estende-se também para outras áreas, como a regulação social (onde podemos colocar a ERCA, Conselho Superior da Magistratura, Autoridade da Concorrência e outras agências similares que dependem directamente do Executivo), a gestão da justiça e das leis, o reforço do poder local e as autarquias, são apenas alguns dos temas mais relevantes.

Também parece crescer um sentimento de maior liberdade - e pertença - associado às faixas mais jovens da população, sedentas de conhecer o País e de aproveitar o potencial ainda reprimido, de ter acesso a melhores oportunidades, mais educação e melhor saúde. É assim que surge no espaço público uma agenda que parece ter força para marcar os próximos cinco anos - a ideia do pacto de regime ou consenso nacional. No fundo, o nome interessa pou[1]co, o mais relevante é o conteúdo.

"É fundamental. Temos de colocar as diferenças partidárias de parte e identificar um conjunto de temas que são urgentes para a afirmação do nosso Estado e do desenvolvimento da economia", defende Wilson Chimoco. Sobre a possível correlação entre uma maior liberdade e uma economia mais dinâmica e menos reprimida, Chimoco lembra que a teoria económica "tem estudado este tema com profundidade".

"A escola do pensamento institucionalista ressalta o facto de regimes repressivos serem propensos à criação de instituições extractivas, pouco amigas do desenvolvimento, da inclusão e da coesão social. E enquanto vincarem as instituições extractivas, as margens para uma maior abertura do sistema são menores", sublinha o economista.

Sérgio Calundungo acredita que "provavelmente" o eleitorado já percebeu que é importante não ganhar tudo e não perder tudo em contexto eleitoral. "As autarquias são também uma forma de dividir o poder. Por exemplo, neste momento, em províncias como Cabinda ou Luanda, os cidadãos gostariam de ser governados por alguém ligado a outras forças políticas e isto também é uma forma de descomprimir e retirar o foco do PR. Com as autarquias, temas como a luz, água, deixam de ser responsabilidade do PR. Esta podia ser a base para um grande pacto: como vamos distribuir e dividir o poder entre nós?", sugere Sérgio Calundungo.