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Grande Entrevista

"Nos últimos tempos a informação do INE passou de má para muito má"

Heitor Carvalho, director do CINVESTEC

A questão da fiabilidade dos números produzidos pelo INE é um problema que se coloca aos centros de investigação económica, mas também ao Governo, que não tendo outros, acaba por decidir em cima de uma "realidade virtual", como confirma o director do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada de Angola.

Estando a trabalhar num centro de estudos de uma universidade, lida diariamente com dados que lhe chegam das diversas instituições oficiais. Aliás, é muitas vezes com base nestes que se podem produzir trabalhos. Qual é a sua leitura face à qualidade das estatísticas que são feitas no País?

Vamos separar duas coisas. Temos a informação que vem do BNA, que é razoavelmente boa, tem tido um ou outro erro, e do INE, que na minha opinião é muito má. Nos últimos tempos passou de má para muito má.

Que sustentação tem para esta análise?

Primeiro, os dados da inflação. Na inflação do INE, os dados estão errados. Os de base. Inflação é o crescimento dos preços, se os preços de base estão errados, tudo está errado. Pode até o resto estar tudo bem. Vamos assumir que os ponderadores até estão bem, que não estão, o próprio INE reconhece que estão desactualizados. Se pusermos no sistema preços de base errados, o cálculo vai estar errado.

Concretize alguns desses erros.

Temos coisas perfeitamente absurdas. Por exemplo, em Agosto, o quilo de arroz nos preços base do INE estava a 1.029 kz. O quilo de arroz não está a esse preço, nem nunca esteve. A costeleta de porco, não é bife do lombo, está a 8.164 kz. A coxa de frango a 2.473 kz, em média. Isso não existe. O óleo a 1.774 kz! A lata de fuba de bombó de 900 gr a 775 kz. Não pode ser, esses não são os preços médios de Luanda. Nem de perto nem de longe!

Então, o que fizeram?

Pegámos nos preços da amostra do INE, fomos ver junto do nosso local de residência, na zona do Nova Vida, caracterizada por preços médios-altos, e conseguimos preços para 75% da amostra do INE, e sem ponderação, média simples, e a diferença face ao INE é de 3, 4 vezes, ou seja 340%, em 2018. E depois foi baixando, em 2019 já só são 2,6 vezes, e agora em Agosto deste ano 2,2%. Há claramente uma empolação dos preços base por parte do INE, o que significa que o aumento que foi considerado foi claramente inferior ao aumento real.

Dê-nos um exemplo.

Se uma mercadoria que vale 1.000 kz aumenta 100 kz de preço, dizemos que houve um aumento de 10%. Agora se nós considerámos que o preço base dessa mercadoria é 3.000 kz, o aumento foi apenas de 3,3%. Os preços reais são três vezes menos que a base como expliquei acima, a inflação real é três vezes mais. Juntando esses efeitos desde 2018, fazendo cálculos, dá um valor de inflação de 75%, e não de 17%. Não estou a dizer que a inflação real seja de 75%, mas 17 não é certamente.

E depois quem decide fá-lo tendo como base valores que não são reais. Parece que estamos todos a lidar com uma realidade virtual.

Nós não temos nenhuma aferição do deflator do PIB relativamente à inflação. Moçambique, já vi várias apresentações das contas do País, e está lá a diferença entre o factor PIB e a inflação, e esta lá a explicação, ou a tentativa de explicação por parte de quem apresenta as contas. Dá-se às vezes a explicação de que não se apresenta o deflator porque isto dos preços do petróleo distorce tudo. Pois tire-se, subtraíam-se as exportações todas. . Só exportamos matérias-primas. Se tiramos todas as exportações, ficamos com a produção interna, e essa já pode ser comparada com a inflação. E se fizermos essa comparação, apontamos para valores de inflação muito superiores daqueles que são apresentados pelo Executivo.

Isso parece um "puzzle" difícil de decifrar.

Não há maneira de conferir. Os dados têm que bater uns com os outros. Não podemos ter um PIB nominal que não tem nada a ver com o crescimento real do PIB que nos é dado também pelo INE. Isto porque a inflação e o deflator entre o PIB nominal e o PIB real não têm nada a ver, são completamente diferentes.

Isso cria problemas à decisão dos nossos governantes?

Vai decidir sobre uma informação incorrecta. Não sei como é que o Governo decide na base destes números. E também não é possível que ele tenha outros números. E quando trabalha com estes números, não é possível ter a melhor decisão.

Se calhar é por isso que nunca se acerta nas previsões. Que temos taxas de execução do orçamento entre 60 e 70%...

Não podemos ter margens tão grandes. Isso distorce tudo. Temos que ter balizas, temos que saber por onde vamos e o que realizamos com números certos. Mesmo no PIB, sem as exportações há discrepâncias enormes. A inflação baixa para dizermos que temos um valor baixo, mas depois deixa de jogar com o deflator do PIB. Os números que estão no nosso orçamento do PIB nominal não têm nada a ver com os números que nos são dados pelo do INE por medidas encadeadas de volume. À parte da questão da valorização das exportações, que nós levantamos, e é um problema que tem que ser posto, mesmo no PIB sem exportações, nós temos diferenças abismais, exactamente porque o valor da inflação não bate certo.

Com este panorama com é que pode calcular de forma objectiva o consumo?

Primeiro há que dizer que todos os angolanos continuam a viver à base do petróleo. Nós calculamos o consumo na seguinte base. Se nós o que exportamos são apenas matérias-primas, o petróleo, os diamantes e as rochas ornamentais valem 99,7%, podemos dizer que o nosso consumo é aceitavelmente igual à nossa produção sem exportações, mais a importação de bens finais de consumo. Se nós fizermos esta conta, temos uma queda do consumo em dólares, aqui não podemos usar outra coisa e deflacionámos o dólar de acordo com a taxa mundial, temos na verdade um consumo que caiu 56% desde 2017. Se juntarmos o crescimento da população, PIB per capita, este valor chega aos 60%. Em 2020 consumimos menos de metade do que acontecia em 2017.

Ou seja, o decréscimo das importações tem a ver com a baixa do consumo e não com o aumento da produção interna?

Claro! Temos uma baixa da produção interna, como revelam os números em dólares, e uma baixa das importações. E estes dois factores justificam a baixa do consumo. Claro que para sermos rigorosos, temos ali uma parte da produção interna que é bens de investimento que devíamos subtrair, coisa pouca, e por outro lado devíamos meter a importação de serviços finais. Mas como eles se compensam, nós aceitámos que os 0,03% das exportações, mais os poucos bens de investimento que produzimos, menos os serviços directos ao público, praticamente dão zero, e por isso assumimos que toda a nossa a produção é produção para consumo.

A economia não se desenvolve com um consumo a baixar...

Aí tenho algumas dúvidas... essa tese keynesiana de que o consumo, que a despesa alavanca a economia, tem que ser lida. Depende da relação consumo/produção. Se nós produzimos menos do que consumimos, se aumentarmos o consumo, só tem um destino, o aumento das importações. Não há solução que não seja aumentar a produção. Porque o nosso deficit não é um deficit de procura, é de oferta. Nós não temos produção para sustentar o consumo que temos.

E como é que se alavanca a produção?

Do meu ponto de vista com boas políticas públicas. E mesmo assim é preciso vencer toda a inércia que fomos criando ao longo de todos estes anos. Isto paga-se! Quando se vão fazendo sucessivamente coisas que não deviam ter sido feitas. Mudar a cabeça das pessoas é o mais difícil.

(Leia a entrevista integral na edição 611 do Expansão, de sexta-feira, dia 12 de Fevereiro de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)