66 mil milhões Kz em obrigações para recapitalizar empresas do sector eléctrico
O valor será distribuído em três parcelas iguais de 22 mil milhões Kz para a ENDE, PRODEL e RNT. As obrigações serão divididas em títulos com o valor unitário de 1.000 kz e com uma taxa de juro de 15% ao ano. Trata-se apenas de "comprimidos" para um sector que precisa de uma cirurgia mais complexa para se manter vivo.
Três decretos executivos publicados no último dia de Janeiro autorizam a emissão de Obrigações de Tesouro específicas para a recapitalização da ENDE-EP, PRODEL- -EP e RNT-EP. São 22 mil milhões de Kwanzas para cada uma, com uma maturidade de 2 anos e pagamento semestrais de juro a uma taxa de 15% ao ano. De acordo com os decretos, cada titulo unitário tem o valor de 1.000 Kz, serão colocadas pelo valor de emissão, sem desconto, através de registo de titularidade junto do Banco Nacional de Angola (BNA).
Ainda sem data de emissão, serão processados de forma automatizada no Sistema de Gestão de Mercados de Activos (SIGMA), que vai gerir o registo de emissão, o pagamento de juros e o reembolso, de acordo com as condições estabelecidas na Obrigação Geral aprovada por estes decretos. Em termos operacionais, o decreto define também que se deve debitar directamente na Conta Única do Tesouro, sob prévio aviso à Direcção Nacional do Tesouro, os valores que serão levados a crédito das contas de depósito das instituições responsáveis pela liquidação das operações de pagamento de juros e reembolso, nas respectivas datas de vencimento, mediante comprovação pelas referidas instituições, do efectivo reembolso final a favos dos titulares beneficiários.
É também entregue ao BNA a responsabilidade de estabelecer as regras dos procedimentos a adoptar peles instituições financeiras e intermediárias autorizadas, de forma a que estas obrigações possam ser transaccionadas nos mercados secundário e interbancário, limitando-se o desconto a taxas de mercados e à vinculação como garantia colateral em operações de empréstimo.
O sucesso desta operação está muito ligado à rentabilidade dos títulos, sendo que uma taxa de 15% ao ano quando o País está com uma taxa de inflação de 27,5%, existindo a possibilidade forte de desvalorização do kwanza neste período, as obrigações são em moeda nacional, não torna atractivo o investimento para os cidadãos e para os bancos. No entanto, como o mercado financeiro nacional tem poucas alternativas para aplicação das poupanças, pode ser que por ter um fim específico que é do conhecimento de todos, venha a ter alguma procura.
Sector eléctrico
A estabilidade do sector está muito pressionada pela situação preocupante que vive a ENDE, que acaba por contaminar as outras duas empresas a montante. Por exemplo, de acordo com cálculos feitos pelo Expansão sobre as contas de 2023, últimas disponíveis, a ENDE tem uma dívida à RNT que ultrapassa os 400 mil milhões Kz, que apesar de não se reflectir nos capitais próprios e nos resultados, impacta bastante a tesouraria da RNT. Que depois tem problemas sérios na sua gestão corrente.
Das três empresas, a única que tem capital próprio negativo (em falência técnica) é a ENDE, a crescer de forma preocupante dos últimos anos e já com um valor de -234 mil milhões Kz (ver gráfico), mas todas elas passam por momentos complicados de tesouraria, o que mais que justifica esta entrada de dinheiro, uma vez que para já não há soluções de fundo para o sector. Apesar de se falar muitas vezes da dívida dos clientes da ENDE, avaliada em 2023 em 294 mil milhões Kz, a verdade é que as dívidas da empresa eram já de 532 mil milhões Kz. Uma parte importante deste pacote de dívidas também nunca será recebido pela ENDE, pelo que só há um caminho para atenuar a situação, a capitalização por parte do accionista, neste caso o Estado. O que aliás tem vindo a acontecer todos os anos, pelos que estes 22 mil milhões Kz são infinitamente escassos para as necessidades da empresa. Veja-se o que a administração da ENDE escreveu no R&C 2023: "Com os resultados apurados a nível da gestão financeira, é facto que a empresa não tem condições de tesouraria (falta de liquidez) para honrar com os compromissos de curto prazo e que cada vez mais se tem financiado com a dívida dos seus principais fornecedores e credores, incorrendo em custos adicionais resultante de actualizações da dívida, aplicação de juros e outras penalizações, o que tem levado a empresa a uma situação de insolvência e falência técnica".
Uma das soluções para resolver este problema da ENDE, aproveitando também a abertura do sector ao investimento privado, poderia passar pela integração das três empresas numa única estrutura, o que permitiria limpar os balanços e criar uma única entidade com capitais próprios positivos e a possibilidade de apresentar resultados operacionais positivos. Obviamente que a questão processual para esta fusão é bastante complicada, obedeceria a uma análise muito profunda da forma como poderia funcionar no futuro, para não se correr o risco de "matar" a operacionalidade do sector. Até porque existem culturas e modus operandi muito diferentes nas três empresas.
Leia o artigo integral na edição 810 do Expansão, de sexta-feira, dia 07 de Fevereiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)