PAYPAL, comprar sem ‘usar’ dinheiro
Método de pagamento que reclama a protecção do dinheiro nas compras pela Internet, a PayPal quer dar um passo adiante e passar para as transferências internacionais, num segmento em que a Western Union é um símbolo. Para isso, propõe-se investir 890 milhões USD para adquirir a Xoom. Entretanto, vai separar-se do eBay e voltar à bolsa.
Um mundo em que todo o comércio pode ser pago sem usar dinheiro físico e dispensando cheques e cartões de débito é a visão da PayPal, nosso conhecido das transacções electrónicas e que até já aceita a moeda virtual "bitcoin", que coloca na Internet um método de pagamento por intermédio de um singelo toque - meio anunciado pela empresa em Abril - e decidiu comprar a Paydiant. A PayPal tem outro grande desafio pela frente, quando regressar, em breve, ao mercado accionista, após 13 anos nas mãos do eBay.
Quando se tornar independente, e apesar de o eBay continuar a ser o maior cliente, a PayPal entrará numa verdadeira independência, como salienta o seu líder. Detentor de uma posição invejável num sector a que a companhia mais valiosa do mundo, a Apple, chegou há apenas um ano (Apple Pay), a PayPal quer crescer em mais uma direcção, preparando-se para tomar a Xoom Corp, serviço de transferências internacionais de dinheiro, num negócio avaliado em 890 milhões USD. Dan Schulman, gestor que se tornará presidente e CEO da PayPal logo que esta chegue à bolsa, estima que o segmento de negócio da Xoom, dominado pela Western Union Co - que entre nós funciona em parceria com o Millennium An-gola -, possa valer 600 mil milhões USD.
Outro investimento de peso - estratégico, pelo menos - foi o da Paydiant, startup norte-americana fundada em 2010 e que fornece às grandes empresas retalhistas uma plataforma para criar as suas próprias aplicações de carteira móvel. Mais uma forma encontrada pela PayPal para chegar às lojas físicas, deixando de ser apenas um método utilizável na Internet. "O dinheiro físico, sejam cheques ou dinheiro, ou cartão de crédito, está a digitalizar à nossa frente. Cerca de 40% do dinheiro que passa nas nossas carteiras são cheques ou notas. No final de 2017 baixará para 25%... o móvel está a conduzir a mudança", afirmou Dan Schulman.
Na sua mente não poderá deixar de estar o Apple Pay, sistema criado pela empresa liderada por Tim Cook - que o anunciou no primeiro dia de Schulman na PayPal - e que permite fazer pagamentos através do iPhone.
Transitar da tecnologia para a finança e juntar tudo no PayPal
Dan Schulman, líder da Paypal, é também presidente da tecnológica Symantec. No seu percurso profissional conta a liderança da divisão de crescimento empresarial da American Express. Esta experiência entre o mundo financeiro e o tecnológico desagua numa visão do futuro imediato que passa pela PayPal como "mais que só um botão", como o próprio referiu há semanas, a caminho de uma plataforma de pagamentos global.
Referindo-se à separação da companhia que adquiriu a PayPal em 2002 - o eBay pagou 1500 milhões USD, colocando a empresa como o método de pagamento por defeito das compras efectuadas no site -, Dan Schulman afirmou que a empresa "chega ao mercado numa altura em que a indústria dos serviços financeiros está a enfrentar algumas mudanças fundamentais". Uma parte dessa alteração é a forma como os consumidores estão a usar a tecnologia móvel para executar as suas compras. O líder da companhia de pagamentos acredita que esta pode ser líder à boleia desta transição através dos pagamentos móveis. "Consigo ver-nos a ter mais transacções móveis do que acontece através do desktop", referiu.
Num segmento em ebulição, com compras a serem possíveis até num dispositivo no pulso (smartwatches), Schulman referiu, citado pelo site da especialidade Techcrunch, que no primeiro trimestre deste ano foram processados mais de 1000 milhões USD de transacções através de dispositivos móveis, um crescimento de 40% face ao período homólogo de 2014. Olhando a expectativa de aumento do número de utilizadores de smartphones até ao final do próximo ano, para mais de 2000 milhões de pessoas (quase 100 vezes a população nacional), segundo estimativa da Marketeer, a PayPal parece ter potencial para reforçar ainda mais a sua posição.
Este tipo de números poderá dar força ao título, quando chegar à bolsa ainda este ano, sob a designação PYPL, aquela que a identificou em bolsa antes da aquisição pelo eBay.
O executivo que já foi "sem-abrigo"
Dan Schulman, 57 anos, companheiro ocasional de partidas de xadrez com Richard Branson, seu ex-patrão na Virgin, quer conquistar os "millennials", embora não seja o típico guru das tecnológicas desenvolvido em Silicon Valley. A carteira digital é a sua arma para o lançamento da PayPal em bolsa, mas Schulman quer ainda mais e lançou-se à Xoom. Baseada em São Francisco EUA, a Xoom permite aos clientes norte-americanos enviar até 3000 USD numa só transacção, para destinos à volta do mundo.
Através de telemóveis, tablets e computadores, os 1,3 milhões de utilizadores transferiram 7000 milhões USD para 37 países. As receitas no primeiro trimestre subiram 24% para 44,4 milhões USD. Quando adquirir a companhia, a PayPal adicionará os seus 68 milhões de utilizadores à carteira da Xoom.
Muitos destes necessitam do serviço e não se sobrepõem aos pouco mais de um milhão de clientes de que a Xoom já dispõe, afirmou o líder do PayPal, que transporta no curriculum de gestor um primeiro trimestre de 2015 com mais receitas que todo o restante negócio do EBay, algo de inédito desde a aquisição da empresa.
Partindo das vendas anuais de 8000 milhões USD em 2014, a PayPal entraria para o 353.º lugar da Fortune 500, caso fosse independente, como será, expectavelmente, dentro de dias, segundo o plano anunciado pela empresa há um ano. A ligação de Schulman a novos negócios está no ADN do seu percurso profissional, após 18 anos na AT&T, onde começou como vendedor e foi evoluindo na carreira à boleia da democratização de telemóveis.
E mais tarde, em 2001, como o escolhido por Richard Branson para liderar o novo projecto focado em telefones móveis, em parceria com a Sprint. Foi enquanto CEO da Virgin Mobile, cargo que ocupou até 2009, que passou 24 horas a viver nas ruas de Nova Iorque como pedinte, no âmbito de uma parceria com a organização StandUp For Kids, ONG de ajuda a jovens sem abrigo. Não tinha dinheiro, telemóvel ou relógio, e só um cobertor sobre a t-shirt para o aquecer. "Ninguém me prestou atenção na rua. Considero-me um bom comunicador e bom vendedor. Levei cinco horas para reunir menos de um dólar", escreveu no New York Times em 2009.
"Todo o meu conceito do que é importante mudou. O tempo é habitualmente a minha mais valiosa commodity, mas naquelas 24 horas tive tempo de mais", escreveu, lembrando que andou mais de três quilómetros para encontrar um café por 25 cêntimos e teve de dormir sobre o cimento de um skate park abandonado. Toda uma experiência muito distinta da que vivia a operadora Virgin Mobile USA, nascida em 2002, e cujo sucesso fez com que a Sprint pagasse 483 milhões USD pela posição da Virgin, em 2009. Schulman não ficou sem-abrigo profissional.
Passou então para a American Express, onde lançou o AmEx Bluebird, cartão pré-pago destinado aos clientes jovens. E assim, com uma mistura de tecnologia e finança no seu curriculum, Schulman foi "caçado" pelo CEO do eBay, John Donahoe, em Setembro do ano passado, para liderar a PayPal. Escreve a revista Fortune que o gestor levou para a empresa de pagamentos a visão de dominar o sistema de pagamentos móveis e do comércio electrónico. Na comparação anual, o número de pagamentos cresce a ritmos de 40%.
Com a aplicação Venmo, a PayPal permite aos utilizadores enviar dinheiro a outra pessoa usando uma conta a débito, e por esse meio tem conseguido captar muitos jovens, com pagamentos de 1300 milhões USD no primeiro trimestre do ano, números apresentados pela Fortune. Já nos pagamentos físicos, em lojas que fazem a cobrança ao cliente num sistema próprio da PayPal, a empresa ainda tem um longo caminho pela frente até poder aspirar a ser dominante.
O executivo acha que há vastas oportunidades pela frente no segmento dos métodos de pagamento, percebe que a pressão está a aumentar, considera que "a tecnologia pode ajudar a reimaginar como pode vir a ser a gestão e movimento de dinheiro", mas sabe que se não for a sua empresa a liderar a transformação, outra surgirá que o fará. Em termos geográficos, dos pagamentos feitos com o sistema, 79% são feitos fora dos EUA, com o Reino Unido, Brasil, Alemanha, China e Austrália entre os principais mercados.
Destaque ainda para o Paydiant, plataforma de pagamentos móveis que o PayPal adquiriu para se introduzir entre comerciantes com loja aberta, em alternativa a sistemas de pagamento por smartphone como os que a Google e Apple já permitem. "O software está a comer a indústria de serviços financeiros", afirmou Schulman, citado pela Forbes, explicando depois, perante os jornalistas, que o comércio online representa apenas 2500 biliões USD, 10% dos 24 biliões do comércio total mundial. É no cenário destas movimentações financeiras que a PayPal cotada em bolsa poderá aliciar os investidores.
Por um lado, com o seu produto icónico de pagamento alternativo a cartões de crédito, criado no final do século passado - entre outros, por um sul-africano, Elon Musk - e adquirido pela eBay. Por outro, com as propostas para pagamento físico nas lojas, algo em que, contudo, a empresa ainda não alcançou sucesso. E por fim, com a transferência ao estilo Western Union, que a Xoom permitirá. "Temos uma infinitésima reduzida percentagem do nosso mercado", afirmou Schulman, que será oficialmente designado de presidente e CEO da PayPal. "Na nossa quota de mercado, temos 0,4% ou 0,5% de 1% do nosso mercado-alvo. Temos um enorme caminho e enormes oportunidades à nossa frente".