Dezenas de académicos exigem ao FMI que reforme política de sobretaxas
Investigadores "documentaram como a actual política de sobretaxas impede que países de baixa e média renda recuperem a estabilidade financeira", faz com que acumulem empréstimos mais altos e impede o seu acesso aos mercados internacionais, defendem subscritores da carta aberta ao FMI, subscrita por 158 economistas.
Mais de uma centena e meia de académicos, entre os quais o Nobel da Economia de 2001, Joseph Stiglitz, endereçaram uma carta ao conselho directivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), a apelar a "reformas nas suas políticas de taxas", especialmente as taxas extra que cobra a "países cujas dívidas ultrapassaram certos limites de tamanho e tempo", pois agravam os encargos e sugam recursos que deveriam ser aplicados em áreas como a saúde, educação e transição energética.
"Pesquisas mostram que as sobretaxas do FMI são procíclicas e regressivas, extraindo taxas de empréstimo e tarifas mais altas dos países durante crises financeiras quando eles deveriam estar a investir na sua própria recuperação", lê-se na carta, subscrita por professores de Economia dos EUA, África do Sul, Argentina, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, Equador, Espanha, França, Gana, Índia, Itália, México, Nigéria, Reino Unido, entre outros países. Entre os subscritores, contam-se o francês Thomas Piketty, o professor guineense Carlos Lopes e Léonce Ndikumana, do Burundi, co-autor do livro "No rasto da fuga de capitais de África", que o Expansão entrevistou em 2022.
Segundo os subscritores da carta, vários investigadores "documentaram como a actual política de sobretaxas impede que países de baixa e média renda recuperem a estabilidade financeira", faz com que acumulem empréstimos mais altos e impede o seu acesso aos mercados internacionais.
As sobretaxas "aumentam" a taxa de juros anual imposta pelo FMI "para quase 8%" e, além disso, "os argumentos apresentados em defesa das sobretaxas mostraram ter pouca ou nenhuma validade", alegam os subscritores da carta, que se manifestam preocupados com os relatos de que o "FMI não está a considerar reformas significativas que remediariam as falhas inerentes à sua política de sobretaxas", apesar de apelos de legisladores dos EUA, de presidentes, como Lula da Silva, do G20 e outras organizações da sociedade civil.
"O FMI foi fundado para ser um administrador da estabilidade financeira internacional, mas a sua política de taxas de juro faz exactamente o oposto. Sobretaxas levam a mais dívidas e não aceleram o pagamento", escreve Joseph Stiglitz, num artigo publicado no Financial Times, no dia em que a carta foi divulgada.
A política de sobretaxas do FMI também "exacerba as dívidas dos países tomadores de empréstimos". Isto porque os países "devem pagar ao FMI antes de outros credores", o que "limita o seu acesso aos mercados de capital internacionais" e os "mantém mais dependentes do FMI", acrescenta o Nobel de Economia de 2001 e professor da Universidade de Columbia, nos EUA.
Meias-medidas
Os subscritores da carta, divulgada duas semanas antes do arranque das reuniões de Outono do FMI e do Banco Mundial, receiam que o FMI, em vez de "reformas significativas", esteja a contemplar "meias-medidas insuficientes", que só aumentam o número de países que pagam sobretaxas, que totalizam hoje 22.
"Actualmente, 675 milhões de pessoas vivem em países de baixa e média renda, cujos contribuintes devem pagar ao FMI aproximadamente 2 mil milhões USD apenas em sobretaxas todos os anos pelos próximos cinco anos. Cada um desses dólares é um dólar não gasto em saúde, educação e transição para energia limpa. Se o Conselho do FMI mantiver o seu sistema actual de cobrar dos contribuintes de países já em dificuldades e endividados sobretaxas, que amortecem as suas reservas gerais, os seus membros não podem esperar que percebamos o Fundo como o administrador da estabilidade financeira global que foi fundado para ser, e a confiança no Fundo diminuirá", adverte Stiglitz.
O FMI manifesta-se disposto a fazer reformas, mas, como aponta um artigo de Mark Sobel, membro do Bretton Woods Committee Advisory Council, não são de esperar grandes mexidas. A ausência de detalhes e a falta de respostas do Fundo só geram desconfiança. Essa "falta de transparência", refere o Nobel da Economia, "está a impedir especialistas económicos de analisar as propostas". Stiglitz nota que "se as sobretaxas não forem completamente eliminadas, no mínimo o FMI deve estender o limite para a activação de sobretaxas baseadas no tempo, pois são choques externos como a pandemia, conflitos e eventos climáticos extremos que muitas vezes dificultam, se não impossibilitam, o pagamento pelos países".
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