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Dívida dos países mais pobres na agenda das reuniões da Primavera

DIRECTORA-GERAL DO FMI, KRISTALINA GEORGIEVA, APELA À MOBILIZAÇÃO DE FUNDOS PELOS PAÍSES MAIS RICOS

"Não se pode comer a democracia. Os direitos humanos podem sustentar o espírito, mas não o corpo", escreveu o Presidente da Zâmbia. Hakainde Hichilema defende mecanismo mais eficaz do que o Quadro Comum do G20, para evitar uma onda de " perturbação e instabilidade generalizada".

Uma semana antes do arranque das reuniões da Primavera do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, em Washington (EUA), que decorre de 10 a 16 de Abril, a directora-geral do FMI apelou aos países membros mais ricos para contribuírem para um fundo para os países mais pobres, numa altura de procura crescente de financiamento por parte de economias em crise de endividamento. Segundo Kristalina Georgieva, o FMI precisa de "6,3 mil milhões USD para cumprir o seu objectivo de angariação" para o Fundo de Redução da Pobreza e Crescimento, o seu "principal veículo para fornecer empréstimos sem juros aos países de mais baixo rendimento".

O apelo de Georgieva ecoa as preocupações do Presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, num artigo que publicou na Bloomberg, na véspera da chegada da vice-presidente dos EUA a Lusaka, o último destino do périplo de Kamala Harris por África.

"Não se pode comer a democracia. Os direitos humanos podem sustentar o espírito, mas não o corpo. Especialmente em democracias jovens como a minha, os governos têm de cumprir economicamente se quiserem manter o consentimento do povo", escreveu Hichilema.

A Zâmbia tornou-se, no final de 2020, no primeiro país africano a falhar o pagamento da sua dívida soberana, "não por culpa da crise global" gerada pela pandemia da Covid-19, mas porque "o endividamento inútil e a corrupção estriparam a sua economia", frisou o Presidente zambiano. Hichilema lembra que quando o seu antecessor, Edgar Lungu, assumiu o poder a dívida situava-se em 32% do Produto Interno Bruto (PIB) e quando saiu estava nos 120%.

"Após as eleições, houve um progresso inicial para reestruturar a dívida da Zâmbia e regressar ao caminho da estabilidade. Desde então, as conversações têm-se arrastado. O FMI diz que o impasse representa uma ameaça para a economia. Eu diria que é também uma ameaça para a nossa democracia", sublinha o Chefe de Estado zambiano, defendendo um "mecanismo rápido e abrangente" para substituir o Quadro Comum do G20 para a reestruturação da dívida das economias mais pobres.

Isto porque os processos de reestruturação da dívida são complexos. O caso da Zâmbia inclui uma variedade de credores, desde instituições multilaterais e países a mutuantes privados e gestores de activos.

"Somos apenas os primeiros de uma longa fila de nações numa crise que se aproxima. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 54 países estão a enfrentar um grave stress da dívida; e 25 deles estão em África. Mais entrarão no Quadro Comum do G20. É necessário um mecanismo rápido e abrangente para substituir o actual processo ad hoc, lento e confuso. Sem adiamento, muitas democracias irão enfrentar a pressão existencial do povo. Há o perigo de perturbação e instabilidade generalizadas", alerta Hichilema, concluindo que a democracia "é delicada" e não se pode deixar que a "dívida a danifique com tumultos".

Dificuldades na obtenção de subvenções

A directora-geral do FMI, no artigo onde apela à mobilização dos países ricos para contribuírem para "um fundo de confiança para os países mais pobres, que se cifra em milhares de milhões de dólares", aponta dificuldades na obtenção de subvenções por parte dos Estados-membros para ajudar as economias mais débeis. Isto quando "cerca de 15% dos países de baixos rendimentos já se encontram em situação de endividamento e outros 45% enfrentam elevadas vulnerabilidades" de endividamento.

"O FMI paga juros sobre os fundos que recebe dos seus membros e depois empresta a juros zero, e os recursos da subvenção cobrem essa lacuna. O fundo baseado em Washington está actualmente em falta em cerca de 1,6 mil milhões USD nessas promessas de subvenção, apesar dos compromissos já assumidos, tais como cerca de 100 milhões USD da União Europeia em Outubro passado e 80 milhões USD do Japão em Abril passado", afirma. Georgieva reconhece que um "grupo de credores mais diversificado do que no passado está a complicar o processo de reestruturação para os países que não podem pagar" a sua dívida, como é o caso da Zâmbia, com uma dívida externa avaliada em 17,3 mil milhões USD.

"O FMI, o Banco Mundial e o Grupo dos 20 sob a presidência da Índia irão convocar uma Mesa Redonda sobre a Dívida Soberana Global, a 12 de Abril, nas reuniões da Primavera, para tentar chegar a um maior consenso", anunciou a directora-geral do FMI, organização que a 31 de Março aprovou um empréstimo de 15,6 mil milhões USD à Ucrânia, ao abrigo do Mecanismo de Financiamento Alargado.

O acordo faz parte de um pacote total de apoio à Ucrânia no valor de 115 mil milhões USD, mais do que a meta mundial de 100 mil milhões USD para os países mais pobres e vulneráveis, estimada em Julho de 2021, quando o FMI fez a maior emissão de Direitos Especiais de Saque (a moeda do Fundo Monetário), no montante global de 650 mil milhões USD.