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Opinião

A responsabilização do administrador de insolvência

CONVIDADO

Na prática, muitos dos actos no processo e tendo em conta a substância das matérias em causa, serão sem dúvida "praticados" e analisados pelos auxiliares e não pelo próprio AI que apenas dará forma aos actos (sem que com isso se queira afastar o seu dever de administrar de facto a insolvência. Note-se que, por extensão de raciocínio, poderá o AI ser responsabilizado pela não observação dos deveres de diligência que caberiam a um administrador corrente, nos termos do art.º 69.º da Lei das Sociedades Comerciais - LSC).

O artigo 58.º do REJUREI - Regime Jurídico de Recuperação de Empresas e Insolvência, sob a epígrafe "Responsabilidade do Administrador e dos membros da Comissão de Credores", apresenta um tema que muito nos prende a atenção. O REJUREI consagrou a responsabilização civil do administrador da insolvência (AI) sempre que causarem prejuízos à massa, ao devedor ou aos credores, por dolo, fraude ou até mesmo culpa (acção ou omissão). Essa responsabilidade decorrerá, desde logo, da não observância ou observância defeituosa dos deveres do AI previstos no REJUREI, especialmente os previstos no art.º 49.º, como, por exemplo, o dever de necessariamente requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos a considerável desvalorização ou de conservação arriscada ou dispendiosa. A não verificação deste dever confere obviamente responsabilização por omissão de agir. Outro exemplo a tomar-se é a não examinação dos livros, documentos e escrituração do devedor, sinaliza-se aqui, a correcta examinação! Note-se que a comissão de credores fiscalizará as actividades do administrador da insolvência, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 54.º.

A Lei n.º 20/22 de 18 de Julho, que aprova o EARI - Estatuto do Administrador da Recuperação ou da Insolvência, complementa no seu artigo 17.º a matéria de responsabilização do administrador da insolvência previsto no REJUREI. Uma complementação insuficiente, pois não se pronuncia nem mesmo de forma implícita de aspectos importantes de um regime de responsabilização, como, por exemplo, em que medida responderá os auxiliares do AI?

A lei permite que o AI tenha auxiliares (mediante autorização judicial, al. h) nrs 1 e 4 art.º 49.º do REJUREI) que poderão inclusive ser remunerados sob critérios da "complexidade do trabalho e do valor do mercado para o desempenho de actividades semelhantes". Na prática, muitos dos actos no processo e tendo em conta a substância das matérias em causa, serão sem dúvida "praticados" e analisados pelos auxiliares e não pelo próprio AI que apenas dará forma aos actos (sem que com isso se queira afastar o seu dever de administrar de facto a insolvência. Note-se que, por extensão de raciocínio, poderá o AI ser responsabilizado pela não observação dos deveres de diligência que caberiam a um administrador corrente, nos termos do art.º 69.º da Lei das Sociedades Comerciais - LSC). Essa possibilidade é logo afastada quando o EARI, no seu art.º 17.º, prevê que " O Administrador da insolvência é responsável por todos os actos praticados no exercício das suas funções." E que "o recurso à contratação de auxiliares não afasta a responsabilidade do administrador da insolvência", ou seja, parece que o legislador não quis aqui uma partilha de responsabilização, pois, caso fosse contrário, consagraria logo a responsabilização solidária do AI para com os seus auxiliares. Assim, afasta-se inclusive a aplicação análoga do regime de responsabilização do comitente por actos do comissário (Art.º 500.º do Código Civil), pela inexistência de um regime de solidariedade na responsabilização.

Não se poderá inclusive admitir a contratação obrigatória de um seguro de responsabilidade civil (embora defendamos) pelo risco das funções, pois essa leitura não aparece em nenhuma redacção dos artigos do REJUREI e do EARI. O que se esperava é que o EARI esgotasse as matérias atinentes à responsabilização do AI com bastante exaustão, uma vez que o próprio REJUREI perspectivou isso na remissão explícita a um diploma próprio (n. 3 art.º 48.º), que, no caso, é o EARI.

O que nos parecem insuficiências no regime (salvo melhor e fundamentada clarificação) não é tudo. Não se previu em ambos os diplomas o prazo de prescrição da responsabilidade do AI, o que significará este silêncio? Que poderão os lesados (à partida a massa, ao devedor ou aos credores) arguir a responsabilização do AI a todo o tempo, invocando normas de aplicação subsidiária? Parece-nos pacífica essa posição, e não nos causa estranheza, pois o REJUREI não se faz conhecer como um regime fechado, pelo contrário, da leitura do n.º 3 do art.º 3.º depreende-se que "São aplicáveis, no que concerne às matérias de natureza processual e não processual, as disposições gerais que não contrariem a presente lei". E, assim, se justifica a aplicação do artigo 483.º do Código Civil.

O AI fica ainda sujeito ao poder disciplinar do Conselho Nacional de Supervisão do Administrador Judicial, da Recuperação ou da Insolvência, órgão previsto no EARI (art.º 47.º), porém, inexistente na prática, que tem como responsabilidade acompanhar e fiscalizar as actividades dos administradores da recuperação judicial ou da insolvência e que poderá, no âmbito das suas atribuições, decidir sobre processos sancionatórios (al. e) art.º 48.º) contra os administradores judiciais da recuperação ou da insolvência por eventuais infracções cometidas.

Leia o artigo integral na edição 809 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Janeiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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