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Opinião

O lado económico do adeus de Lopo do Nascimento

Análise

Já lá se vão alguns dias desde que o ex-deputado Lopo do Nascimento se despediu da vida política activa, no Parlamento angolano, com um histórico discurso. Durante todos esses dias venho reflectindo sobre tudo aquilo que o mais velho Lopo deixou dito.

Pensei então na velha posição liberal que admite que quase tudo tem, sobre as visões políticas pretensamente universais, uma vantagem inesperada e até paradoxal: aceitar que todos possam pensar e agir mais livremente torna-se mais universal do que os que julgam que as suas verdades são eternas.

Na verdade, a vida ensinou-nos que o indivíduo no seu convívio social expõe as suas ideias e, normalmente, inicia um conflito, pois é comum que elas sejam contrapostas ao pensamento do próximo. Lopo do Nascimento preferiu fazê-lo no final da sua carreira política activa, na hora do adeus.

Mas esta última intervenção do ex-deputado à Assembleia Nacional parece ter ganho o consenso de todos. Contudo, o discurso elegante e arguto assustou alguns, animou os colegas da oposição, emocionou outros e foi difícil de engolir, para muitos outros, pelos requintados recados. Até me pareceu ser aquele célebre imperativo categórico de Kant: "Age de acordo com uma máxima tal que possas querer, ao mesmo tempo, que ela se torne lei universal".

Para mim, Lopo do Nascimento é, talvez, o primeiro político a reconhecer, de viva voz e em bom tom, que Angola precisa de construir a nação verdadeira, a nação desejada. No fundo, o mais velho Lopo lançou um repto à integração. É como quem dissesse que os angolanos têm a necessidade de se integrarem mais socialmente para melhor se relacionarem entre si e conhecerem a sua própria individualidade.

Mas, como fazer isso, em sociedade, mantendo as nossas diferenças? A resposta foi dada por ele próprio e é simples: superar esse conflito significa trabalhá-lo de forma a unir as ideias num pensamento conjunto, racional e correcto, a fim de que haja um entendimento mútuo.

É esse o recado que o mais velho Lopo do Nascimento deixou. E isso tem um preço e um valor exacto. Se nos entendermos, se considerarmos que o que é bom para mim é bom para o outro, também, o País vai perder menos, vai render mais. Este é um problema político, social e fundamentalmente económico. A construção da nação a que Lopo do Nascimento alude é oferecer fundamentalmente económicas e sociais.

Ele fala-nos da construção de uma nação. Uma nação constrói-se com menos querelas sociais, menos vícios, sem nepotismo, onde o paradigma para avaliação do indivíduo seja o seu desempenho profissional e social, onde a cor da pele, a filiação política, a religião, os laços de parentesco ou a origem étnica não sirvam de parâmetros para a obtenção de vantagens de quaisquer tipos.

A nossa história recente mostra-nos que, na maior parte das vezes, a política, longe de unir-nos, nos divide e nos distancia. Assim foi e assim é em toda a África. Todas as experiências vividas, até aqui, mostram-nos isso mesmo. Mas, diante da nossa diversidade cultural, não há outro caminho senão a compreensão do outro, a aceitação da diferença e a integração de todos.

Há espaços para todos, basta mudarmos de paradigmas. Para isso, o diálogo sincero deve ser o condutor da nossa maneira de estar na vida. Devemos privilegiar o respeito pelo outro, aceitar e compreender o próximo para que ele nos compreenda também. É a condição necessária e primária para atenuar as tensões sociais latentes, no dia-a-dia, provocadas pelas desigualdades sociais, a injustiça na repartição dos benefícios comuns, geradas pelas economias neoliberais. Precisamos de construir uma nova forma de convívio baseada no interesse colectivo.

A nação constrói-se forjando um homem novo. Um homem que precisa de relacionar-se socialmente sem pré-requisitos. Esta é uma condição para o preenchimento de um vazio que se apresenta em todos os homens e momentos. O convívio harmonioso comum é fundamental e necessário para todos. E isso só é possível onde predomina a contraposição do "indivíduo individualizado". Na verdade, o individualismo transforma o homem em um fracasso completo, pois alimenta o egoísmo, a competição social que prejudica o bem colectivo.

Devemos, pois, cada vez mais, promover a inserção social, sem entraves, que favoreça as qualidades profissionais, a competência e a entrega ao trabalho. Estes devem ser os elementos de adição ao sucesso do angolano. Lopo do Nascimento também olha, com grande desilusão, para a dependência económica das sociedades africanas. Ele vai mais longe: alerta para este fenómeno eivado de critérios nepotistas que envolvem a política, a economia e o social.

Talvez, nem mesmo a ciência ajuda tanto a entender como tudo isso interage na cabeça de muitos humanos. Mas, já não faz sentido acrescentar uma dimensão étnico-cultural, racial ou política à já difícil vida do dependente. Ele aponta o caminho para a direcção do nosso futuro. Mas, sobretudo, mostra que os desempenhos na economia, no âmbito social e na política não cabem na mesma cesta. Ou melhor na mesma urna. É um imperativo que não deve continuar a macular a nossa vida como se fossem coisas de planetas diferentes. Simplesmente porque tudo isso é uma consequência da razão humana. Por isso, eu aplaudo, é razoável que o façamos. Porque a razão deveria ser o traço comum de todos os mortais racionais.

Mesmo quem não vê motivos suficientes para aplaudir Lopo do Nascimento, e não considera conveniente para o País, tem de reconhecer: se a advertência vale para aquela geração da utopia, a que se referiu o escritor, vale muito mais para os políticos angolanos da nova vaga. Embora, no nosso mundo, cada vez mais cínico, todavia, até o elogio é visto com desconfiança, não resisto. Os argumentos daquele discurso fundem-se na meritocracia dos novos tempos

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