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Opinião

A violação sistemática dos direitos dos camponeses

CONVIDADO

Os relatos de actos de desapossamento violento de terras de camponeses vão-se sucedendo às catadupa. Na actual Constituição (...) não se faz qualquer referência aos direitos possessórios dos camponeses.

Em 1975, altura em que Angola ascendeu a nação independente, 3/4 da população angolana tinha a sua vida ligada à actividade agrícola. Aliás, diz-se mesmo que foram as sevícias porque passavam os camponeses que teria servido de elã aos levantamentos independentistas que, numa determinada altura, eclodiram em diversas partes do território nacional.

Para atestar o que acabamos de dizer, basta lembrarmo-nos dos levantamentos da Baixa de Kassanji, assim como da brutal reacção levada a cabo pelas forças repressivas da altura; basta lembrarmo-nos dos levantamentos de 15 Março de 1961, nos cafezais no município de Carmona, hoje Uíge; basta lembrarmo-nos do célebre poema de António Jacinto, "Mona N"gambé", magistralmente musicado por Rui Mingas. Obtida a independência nacional, o Estado Angolano, na altura, adoptou o ano de 1978 como " Ano da Agricultura"; dizia-se e repetia-se (e ainda se repete) que " Agricultura é a base e a Indústria o factor decisivo para o desenvolvimento de Angola".

Ora, assim sendo, não deixa de causar surpresa a nós, cujo sustento e crescimento se processou graças ao engenho e habilidade demonstrados por camponeses, que, hoje, suas terras, importante e insubstituível meio de produção, esteja a ser alvo da cobiça, do esbulho, violento, acompanhado, vezes sem conta, de armas de fogo, levando em alguns casos à morte de pobres camponeses que, indefesos, ousam lutar pela defesa dos seus direitos possessórios.

Os relatos de actos de desapossamento violento de terras de camponeses vão-se sucedendo às catadupas, sem que se conheça até hoje alguém que tivesse sido reprimido pelas práticas de tais actos, que, em condições normais, dariam lugar não só à responsabilização civil, mas também criminal. "Toda pessoa, individual ou colectivamente, tem direito à propriedade " e, mais do que isso, " Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade " reza o art.º 17 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Este instrumento legal é parte integrante do ordenamento jurídico angolano, atento ao que dispõe o art.º 26 da Constituição da República de Angola. Mais do que isso, rezava o n.º 4 do artigo 12 da Lei Constitucional de 1992 que " O Estado respeita e protege a posse dos camponeses...".

Houve quem tivesse lançado mão de acções possessórias socorrendo-se, para tanto do dispositivo constitucional acima mencionado. Todavia, atenta às alterações que se verificaram na cúpula do nosso ordenamento jurídico, hoje já não se encontra dispositivo legal com igual força; ou seja, na actual Constituição, ao contrário das anteriores leis magnas, não se faz qualquer referência aos direitos possessórios dos camponeses.

A própria Lei de Terras, que se encontra desactualizada à nossa realidade, não contém normas que, de forma clara, protejam os camponeses. O que não deixa de ser um atentado contra os interesses dessa classe social, por um lado, e, por outro, um paradoxo tendo em conta o discurso da classe dirigente que apregoa que "A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo".

Noutros tempos, noutros diplomas, protegia-se a posse das terras cultivadas, com disposições de natureza penal, equiparando-se a entrada em terras cultivadas ao crime de introdução em casa alheia. Hoje, desconhece-se igual dispositivo legal, num País que, aquando da sua independência, 75% da sua população era camponesa. Deste modo, é chegado o momento para se convidar, não apenas as clássicas "entidades competentes" para olharem com mais sensibilidade para o drama social que se abate contra os camponeses.

Mas, mais do que isso, chamar a atenção dos meios de comunicação de massas, como as rádios, os jornais, os canais de televisão, de modo a dar-se a devida publicidade às sevícias por que passam os camponeses, pois sabe-se que "ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, nem ninguém é suficientemente pobre que não possa ser protegido ".