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Opinião

Capitalismo rentista versus capitalismo produtivo

MILAGRE OU MIRAGEM

No início desde mês foi mais uma vez destaque o facto de Angola ter subido 20 lugares no Índice de Percepção da Corrupção que a Transparência Internacional elabora. Apesar de saudarmos essa melhoria, continuamos sem ter uma resposta à questão que colocámos faz quase dois anos, na edição 617 do expansão (26 de Março 2021), "Alguém sabe dizer o tipo de corrupção que se está a combater em angola?" Afinal, se por um lado existe este reconhecimento do combate que tem sido feito contra a corrupção, existem igualmente várias denúncias sem que haja para elas uma resposta clara e inequívoca.

A história do desenvolvimento económico dos agora países rico mostra, sem margens para grandes dúvidas, que os países alcançam e mantêm um alto nível de vida para as suas populações mediante a adopção de uma economia virada para o mercado. Muitos países africanos tinham nos anos 60 o mesmo PIB per capita que alguns países asiáticos. Em alguns casos os países africanos estavam bem melhor, como era o caso do Gana versus a Coreia do Sul, cf. Gráfico 1. Neste gráfico podemos ver que o Gana em 1960 era mais rico que a Coreia do Sul em termos de PIB per capita, tendo o Gana 176,1 USD por habitante e a Coreia do Sul 158,3 USD. Oito anos depois, em 1968, estes dois países tinham o mesmo PIB per capita de 198 USD.

Desde então a história do desenvolvimento económico destes dois países divergiu dramaticamente e 10 anos mais tarde, em 1978, o PIB per capita da Coreia do Sul já era quatro vezes mais do que o do Gana.

O crescimento espetacular da Coreia do Sul está devidamente estudado e documentado. Tudo começou com um rápido aumento de produtividade no sector agrícola (depois da reforma agrária nos anos 50) e uma aposta séria na dinamização da indústria transformadora. Vale aqui relembrar que a Coreia do Sul passou por várias transformações, lá no início havia ditadura militar e, claro, corrupção. Porém, este país não deixou de se tornar numa das principais economias mundiais.

O Gana também teve uma experiência idêntica, mas não conseguiu alcançar os mesmos resultados.

O segredo da Coreia do Sul, assim nos ensina a história, foi que lá a governação apostou de forma inequívoca no que chamaríamos de capitalismo produtivo, produção local de bens e/ou serviços para o mercado, mas de forma sustentável, i.e., incluindo no bem ou serviço conteúdo local.

No início desde mês foi mais uma vez destaque o facto de Angola ter subido 20 lugares no Índice de Percepção da Corrupção que a Transparência Internacional elabora. Apesar de saudarmos essa melhoria, continuamos sem ter uma resposta à questão que colocámos faz quase dois anos, na edição 617 do expansão (26 de Março 2021), "Alguém sabe dizer o tipo de corrupção que se está a combater em angola?" Afinal, se por um lado existe este reconhecimento do combate que tem sido feito contra a corrupção, existem igualmente várias denúncias sem que haja para elas uma resposta clara e inequívoca.

Quando um capitalista tem ligações com o poder político pode, através de um lobby forte, fazer com que um dado bem ou serviço seja fornecido ao mercado de forma limitada, i.e., através de uma licença. Cria-se desta forma uma "renda". Atenção que nem todas as "rendas" são prejudiciais, por ex., as que são geradas através da propriedade intelectual e que ajudam a manter um sistema de inovação. No caso concreto da recente medida que limita, via licenças, a aplicação de películas em viaturas a um certo número de empresas, esta medida cria o que chamaríamos de capitalismo rentista. Essas empresas não criaram, através da investigação científica, inovação tecnológica, este material.

Elas simplesmente vão ter uma licença e a protecção da governação, para assegurar que quem não tenha licença não possa fornecer o mesmo serviço. Estas empresas vão fazer recurso a importação do material (películas), quando poderiam ser obrigadas a produzirem localmente este material (em parceria com laboratórios universitários), que poderia depois ser exportado, contribuindo para diversificação da fonte de divisas do país.

Em Angola temos exemplos de capitalismo produtivo em sectores como a indústria cimenteira, no sector de bebidas ou no sector da construção. No sector cimenteiro existem fábricas que foram montadas através de fundos públicos, todavia essas fábricas tiveram de competir com produtos importados que tinham isenção total durante anos (entre 2007 e 2014). Estas fábricas tiveram de melhorar rapidamente a qualidade dos seus produtos e aumentar os volumes de produção e, só depois, o Executivo concedeu a devida protecção retirando a isenção que os produtos importados tinham em 2014.

Enfim, a teoria económica, explica que países como Angola são caracterizados por um acesso limitado a rendas (não existe uma liberdade económica como tal) contudo, é imperioso que a governação assegure que quem tenha acesso a uma fonte de renda aposte num tipo de capitalismo mais produtivo, onde a competitividade de um bem ou serviço disponível no mercado depende mais do investimento em tecnologia e inovação e menos em medidas administrativas tomadas pelo poder político. Infelizmente, esta não tem sido a tendência nos países em desenvolvimento em África. Em Angola, a recente medida adoptada pela governação cria nada mais do que capitalistas rentistas, i.e., um grupo de pessoas que usam as suas ligações com o poder político para limitarem o acesso a rendas. Mantendo-se esta tendência, dificilmente Angola poderá fazer o que a Coreia do Sul fez, i.e., atingir um alto nível de desenvolvimento e prosperidade para sua população.