É transformação estrutural, estúpido!
A governação precisa identificar e priorizar aqueles sectores, e dentro destes aqueles segmentos, com potencial de rapidamente gerarem externalidades positivas. A história daqueles países que conseguiram transformar as suas economias mostra que tal só foi possível fazendo um aumento da produtividade no sector agrícola combinado com um rápido processo de industrialização.
Na semana passada assistimos a mais uma apresentação do relatório "Perspectivas Económicas Regionais" do FMI. O relatório que desta vez assinalou a necessidade de reformas num contexto de grandes expectativas, chama a atenção para as diferentes velocidades que as economias em África hoje apresentam, para a necessidade de se criar empregos para a juventude e se reduzir a desigualdade do género.
O relatório mostra que o crescimento das economias no continente tem sido muito heterogéneo, onde as economias como a de Angola, em que o sector petrolífero tem um grande peso crescem a um ritmo menor do que aquelas mais pobres em recursos naturais. De facto, o FMI estima para Angola um crescimento de 2,4% neste ano, abaixo da média africana de 3,6%, e 2,8% em 2025 muito abaixo dos 4,1% no OGE 2025. No que toca à dívida pública (% do PIB) Angola tem estado a melhorar depois de ter atingido os 119,1% em 2020. Em 2023 ficou em 73,7% e o FMI prevê que fique nos 59,3% em 2024, ligeiramente abaixo dos 60%, mas ainda assim melhor do que a média africana de 59,7%. As reservas (em meses de importações de bens e serviços) vão situar-se nos 7,2 meses em 2024, um valor muito acima da média para África Subsariana de 4,1 meses, dos países africanos ricos em recursos naturais (4,7 meses) e exportadores de petróleo (6,2 meses). Apesar destes indicadores serem animadores e darem-nos uma ideia do impacto das reformas que Angola tem estado a implementar, o País ainda não está na rota de um crescimento sustentável e inclusivo.
Analisando a participação dos sectores da economia na estrutura do PIB nominal (Quadro 1) vemos que dois sectores se destacam entre 2017 e 2023, i.e., o sector petrolífero e o comércio. Vemos um declínio do sector da construção (saindo de 13,7% em 2017 para 5,4% em 2023) e outros serviços (de 9,3% para 8,6%). Estudos feitos por nós mostram que o sector da construção, apesar de muitas vezes equiparado ao dos serviços, na prática funciona como o sector da indústria transformadora. A construção tem a capacidade de estimular outros sectores da economia como a indústria de material de construção (incluindo o cimento e aço), os transportes, serviços (ligados a projectos e fiscalização de obras) para além de assegurar empregos directos, no sector formal da economia, para aquela mão de obra jovem menos qualificada. Quando virado para a construção de obras públicas, como estradas e pontes, o sector da construção permite dinamizar sectores como a agricultura (facilitando o escoamento dos produtos e a chegada de insumos) e a indústria transformadora. Este abrandamento pode ajudar a explicar o fraco crescimento da agricultura em apenas 3,5 pontos percentuais (de 6,3% em 2017 para 9,8% em 2023) e a indústria transformadora 2pp no mesmo período, estando agora nos 8%, ainda distante da média africana de 10%.
Para compreendermos o actual estado de coisas, precisamos olhar para o Programa de Estabilização Macroeconómica 2017- -2018, que esteve na base do Acordo de Financiamento Ampliado que em finais de 2018 o Executivo assinou com o FMI. Tal como temos explicado neste espaço, o Executivo está a realizar reformas estruturais, por ex., a liberalizar a economia, na esperança de que este processo levará à transformação da estrutura da economia em Angola. Os resultados mostram que estamos em presença de dois processos distintos, como sempre defendemos, e que não existe uma relação de causa e efeito. Uma reforma estrutural tem a ver com aquelas medidas que visam melhorar o ambiente macro regulatório em que as empresas operam, já a transformação estrutural em Angola visa tornar a economia menos dependente, por ex., das receitas petrolíferas. No Gráfico 1 podemos ver que o peso do sector petrolífero cresceu 8,8pp de 2017 a 2023 e o comércio 4pp, tornando a economia angolana no que denominamos de "economia de compra e venda", i.e., as receitas do petróleo a alimentar o comércio (essencialmente via importações)...
Leia o artigo integral na edição 804 do Expansão, de sexta-feira, dia 29 de Novembro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)