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Opinião

Implicações da mudança na composição da dívida externa de Angola

MILAGRE OU MIRAGEM?

É importante realçar que o problema não está na dívida como tal, mas, essencialmente no que é feito com os fundos mobilizados. Dada as condições impostas pelos credores privados, é imperioso que os fundos sirvam para dinamizar o sector produtivo virado para a diversificação das exportações.

A evidência empírica mostra que, apesar das dificuldades, devido ao aumento da dívida pública, o continente africano ainda é das regiões menos endividadas do mundo. De facto, um relatório da Fundação Mo Ibrahim, "Global Africa: Africa in the World and the World in Africa"(1), mostra que a dívida pública de África representava apenas 2% do total mundial em 2023, cf. Gráfico 1. As regiões mais endividadas são a Ásia, América do Norte e a Europa. Todavia, na imprensa mundial, a dívida dos países africanos acaba sempre por ser o destaque. Isto acontece porque grande parte da dívida pública destes países é externa e em moeda estrangeira, onde o dólar norte- -americanos representa 70.2% e a moeda europeia (Euro) 13.8%, segundo este relatório da Fundação Mo Ibrahim.

O facto da dívida pública de África ser predominantemente externa e em moeda estrangeira faz com que estes países estejam expostos a choques externos. Por exemplo, sempre que a Reserva Federal dos EUA ou o Banco Central Europeu aumenta as suas taxas de juros, isto tem um impacto na capacidade dos países africanos pagarem as suas dívidas. Para piorar, grande parte desta dívida é detida por credores estrangeiros privados, o que faz com que África tenha mais dificuldades de negociar uma restruturação da dívida em caso de necessidade. Assim aconteceu no período que se seguiu à pandemia da Covid-19.

Olhando para a história do desenvolvimento das principais economias na Ásia, ou mesmo para o processo de recuperação da Europa depois da 2ª Guerra mundial, vemos que estas regiões tiveram acesso a financiamento externo em condições mais favoráveis. Hoje, os países africanos não gozam deste mesmo privilégio, ao invés disso, eles são encorajados (até mesmo induzidos) a se financiarem pela via do mercado. Notem que esta via acaba por estar alinhada com a ideologia neoliberal, uma vez que para terem acesso aos mercados os países africanos precisam de criar um ambiente de negócios favorável. Mesmo quando implementam reformas estruturais, estes países acabam por pagar aos credores privados, que hoje detêm grande parte da dívida pública, taxas de juros quase que proibitivas devido à percepção de risco medida pelas principais agências de notação de crédito (ex.: a Moody"s, Fitch). O relatório da Fundação Mo Ibrahim mostra que em 2021 as taxas de juros para os títulos soberanos africanos eram em média 6%, muito acima dos juros cobrados por instituições financeiras multilaterais.

No caso de Angola, os dados do Relatório de Execução do OGE 2024 referente ao II trimestre mostram que o Stock da Dívida Pública Externa era de 47 916 milhões USD, o que significa que teve uma redução quando comparado com o 1.º trimestre, cf. Quadro 1. No Quadro 1, podemos ver que a dívida multilateral (de instituições como o Banco Mundial e o FMI), em que as condições de reembolso são normalmente mais favoráveis, tiveram um ligeiro aumento, enquanto que todas as outras categorias registaram uma redução, o que é bastante positivo. Dentro da dívida comercial (em que normalmente são cobradas taxas de juro de mercado), salta a vista a redução da dívida contraída junto do principal credor, o China Development Bank, que passou de 10 163 milhões USD para 8 803 milhões USD.

Todavia, hoje os credores privados detentores de Eurobonds de Angola controlam uma dívida quase que igual à contraída junto de instituições financeiras multilaterais (cf. Quadro 1). Esta situação limita a possibilidade de Angola negociar uma restruturação da dívida em caso de necessidade, como acontece hoje. Um bom exemplo é o que aconteceu na China, aquando da última visita de João Lourenço. Era esperada uma certa flexibilização nas condições de pagamento da dívida, mas, isso não aconteceu. Notem que solicitar uma restruturação da dívida faz agravar ainda mais a pontuação que as agências internacionais de rating atribuem a um dado país, tornando mais oneroso o financiamento pela via do mercado no futuro. É importante realçar que o problema não está na dívida como tal, mas, essencialmente no que é feito com os fundos mobilizados. Dada as condições impostas pelos credores privados, é imperioso que os fundos sirvam para dinamizar o sector produtivo virado para a diversificação das exportações.

Leia o artigo integral na edição 796 do Expansão, de sexta-feira, dia 04 de Outubro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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