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Opinião

"Mais crédito menos inflação"

Não é o mercado de crédito que impulsiona o nível de preços em Angola, pelo menos no curto prazo

A inflação em Angola é muito pressionada pelos actuais custos de produção interna e o BNA já o assumira

A inflação, para além da taxa de desemprego, taxa de crescimento da economia e os défices fiscais e na conta corrente, é um fundamental macroeconómico que define a evolução de relevantes variáveis da economia. A sua variação, além de mexer com o poder de compra das famílias e induzir relevantes incertezas no processo de tomada de decisão de investimentos e na distribuição de rendimento na economia, retira o foco dos decisores de política económica de medidas mais estruturais, e de longo prazo, para medidas mais conjunturais, e de curto prazo, que têm o potencial de adiar a realização de uma economia mais compacta e alinhada às necessidades de desenvolvimento económico e progresso social.

E o comité de Política Monetária (CPM), realizado a 29 de Maio de 2021, concluiu que o nível de preços na economia, para 2021, deverá fixar-se em 19,5% acima dos 18,7% previstos inicialmente no Orçamento Geral do Estado 2021. Foi uma inversão que veio a ser justificada pela fraca capacidade de oferta de produtos internos que, sublinha o CPM, não tem sido compensado pela queda registada nos níveis de importação do País.

A primeira nota que deve ser passada é do facto de o BNA ter revisto este importante indicador da economia num contexto em que as probabilidades da mesma ser atingida eram cada vez menores(1) . O segundo é o facto de ter reconhecido que a pressão está a vir mais das questões ligadas ao lado da oferta do que do lado da procura, facto que poderá legitimar o discurso de que a política monetária restritiva tem um reduzido impacto na desaceleração dos níveis de preços na economia e só tem encarecido o crédito à economia. Com efeito, uma abordagem menos monetária e mais estrutural - Como a avançada no CPM de 28 de Maio - deverá no mínimo criar as condições para uma revolução no mercado de crédito nacional.

Pois o que se tem assistido na evolução recente da economia nacional - como pode ser apurada pelo gráfico 1 -, é que a evolução dos preços da economia tem uma componente monetária abaixo de 30%. E entre as principais componentes que impactam a procura de moeda na economia, o crédito ao sector privado tem perdido terreno em benefício do crédito ao Estado - Aquisição de Títulos do Tesouro - pela manutenção da posição do mercado cambial.

Este padrão, numa primeira leitura e sem ser conclusiva, ajuda-nos a perceber que, se visto da óptica monetária, não é o mercado de crédito que impulsiona o nível de preços em Angola, pelo menos no curto prazo. Aliás, como pode ser apurado pelo gráfico, existe uma relação inversa entre a evolução da taxa de inflação homóloga com os contributos do crédito sobre a oferta monetária na economia, medida pelo agregado monetário M3. Por outro lado, esta evidência, se conjugada com o facto de que a componente monetária tem tido um peso, sobre evolução da inflação, abaixo dos determinantes da componente da oferta, logo é aconselhado verificarmos quais componente do lado da oferta têm sido um entrave para redução dos níveis de preços em Angola.

E entre os diferentes factores - desde institucionais, infra- -estruturais até de capital humano -, devo destacar os custos de financiamento do stock de capital na economia, que apresentam como uma variável fundamental com fortes probabilidades de melhorar a evolução das outras variáveis elencadas acima. Assim, olhar para o crédito como determinante, não da aceleração, mas sim da desaceleração dos níveis de preços poderá ser a via, não convencional, de vermos as taxas de inflação a reduzirem para níveis próximos de um dígito nos próximos anos, através da redução do custo de produção.

Primeiro, porque um incremento do crédito poderá liderar o processo de recuperação das taxas de crescimento da economia para níveis acima de subsistência e trazer para a economia relevantes projectos de investimento que com os actuais níveis de taxa de juro praticada no mercado são financeiramente inviáveis. Segundo, poderá reduzir a expansão monetária pela via fiscal, por um lado, através do aumento da captação de novos depósitos, via arrecadação de maiores receitas fiscais à medida que a economia apresenta tendência de crescimento e novos empregos forem criados. E, por outro lado, através da redução da emissão de títulos de dívida pública à medida que as necessidades de financiamento do Estado forem reduzidas - aqui vale a pena destacar a necessidade de incremento da qualidade das despesas públicas, incremento da transparência de modo a contribuir para os custos de financiamento de obras públicas e moralização da sociedade -, facto que é determinante para a redução dos níveis de preços induzidas pela ineficiência do Estado.

Terceiro, deverá reduzir os níveis de depreciação cambial e assegurar uma maior solvabilidade externa do País, primeiro, ao desviar relevante massa monetária do mercado cambial para o mercado de crédito - o que reduz a liquidez disponível nos leilões de divisas - e, em segundo lugar, poderá liderar o aumento da produção interna - mesmo que, numa primeira fase, a níveis pouco competitivos - o que poderá reduzir os níveis de importação do País.

Estas possibilidades poderão liderar a redução de custos do financiamento na economia - interno e externo - e gerar externalidades positivas sobre a formação das expectativas de preços, na redução dos custos de produção, no incremento do espírito empresarial e na melhoria do ambiente de negócios no País - com a redução dos níveis de endividamento e redução do peso do Estado na economia, melhoria dos níveis institucionais e de organização económica - condições necessárias para que a componente estrutural, na evolução dos preços em Angola, seja cada vez mais residual.

Enfim, a inflação em Angola é muito pressionada pelos actuais custos de produção interna, e o BNA já o havia assumido na reunião do CPM de 29 de Maio. E o crédito à economia poderá liderar o processo de redução destes mesmos custos, sem pressionar a inflação, pois a evolução da massa monetária em Angola é inversamente proporcional à evolução do crédito - mais crédito menos massa monetária em circulação - contrariamente ao verificado na generalidade das economias desenvolvidas, com mecanismos de transmissão da política monetária mais eficientes e sem uma economia informal como a registada em Angola. Infelizmente, essa abordagem foi parcialmente eclipsada na reunião de Julho do CPM, com o agravamento da política monetária. Mas estou persuadido que seja uma decisão pontual e que venha a ser reconsiderada, proximamente, quando as questões conjunturais forem menos expressivas que as estruturais.

1 Mesmo com o actual objectivo, o BNA não vai conseguir atingir o seu objectivo. Com uma variação mensal acima dos 2% nos últimos sete meses, o alcance de uma inflação de 19,5% no final de 2021 exigiria um esforço cambial e fiscal muito forte