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"Com a música eu levo as pessoas numa outra dimensão, levo-as para uma introspecção"

HERÓIDE | CANTORA

De palco em palco anda a artista que começou na dança, mas hoje é com a sua voz e performance que transmite toda a simbiose cultural do País. Com uma obra no mercado, Heróide defende que o Ministério da Cultura deveria fiscalizar melhor o cumprimento das regras de distribuição dos direitos de autor.

Como entra para o mundo artístico?

Eu comecei a minha carreira muito cedo, como bailarina. Com 7, 8 anos já dançava no bairro, no Rangel, onde nasci e cresci. Era bailarina da Noite Dia e da Própria Lixa. Ou seja, era aluna, porque a Própria Lixa tinha o quintal da avó, e como éramos todas vizinhas, então elas acolhiam as crianças do bairro para dar aulas de kuduro e eu era uma dessas crianças. Depois, aos 14 anos, conheci o grande bailarino e coreógrafo Manuel Kanza, e entrei para o grupo "Corpo da Dança", que hoje é a Inspiradanza. Com 16 anos, participei do programa "Bounce", o que me permitiu depois acompanhar como bailarina diversos artistas como JD, Pérola, As Africanas - o último artista para quem eu dancei foi o Coréon Dú. Fiz parte de vários grupos de dança que trouxeram toda a disciplina e conhecimento, maturidade e comprometimento que eu tenho hoje com a música.

Quando é que emigra para a música e para o canto?

Sempre gostei de cantar para os amigos e familiares, mas nunca expus. Mas, em 2015, ao concluir a universidade, surge um concurso de música, o"Estrelas de Angola" e, com os incentivos dos colegas, inscrevi-me. Éramos mais de duas mil pessoas, e claro, sem nenhuma esperança de vencer o concurso. O concurso foi pela televisão Banda TV e fui a grande vencedora. A partir do momento que percebi que saí de duas mil e tal pessoas, para duas pessoas e ser vencedora, percebi que sim, que realmente eu tinha alguma coisa dentro de mim... Com o prémio entrei para uma escola de música.

Para aperfeiçoar?

Sim, após vencer o concurso entro para escola de música MALP-SHOW de Massoxi Max, onde frequentei durante oito meses, aprendi muita coisa com aquele senhor. Hoje, parte do que sou, da base que tenho, vem dele. E, claro, de aprender ouvindo os artistas que eu admiro, nacionais, sou extremamente apaixonada pela Yola Semedo. Depois da escola actuava em bares e restaurantes. Fiz também vários projectos com Kelly Silva.

Participou em outros concursos de música?

Em 2018 fui convidada pelo Caina Ferreira a participar do Festival da Canção de Luanda, da rádio LAC, defendi a música dele "Ritmo Luandino". Foi a primeira vez que cantei para um público com ouvidos e sentido crítico sobre música. Eu não tinha noção de como era o universo da música, pensava ser como a dança. Em 2018 não arrecadei nenhum prémio, mas fiquei interessada pelo concurso e com o público, fiquei fascinada e decidi participar novamente em 2019, defendi a música "A vida tem dessas coisas" de Konstantino Chicato e venci o segundo prémio, de melhor produção. Decidi participar em 2020 com uma música da minha autoria, "Só no Olhar" e levei os prémios de Melhor Voz e o Grande Prémio da Canção. Apartir daí foi a explosão da minha carreira.

Qual é o balanço que faz desta caminhada?

Desde 2015 até à presenta data tem corrido tudo bem, pelo que faço um balanço super positivo. Como algumas pessoas têm dito, a Heróide é aquela artista que não pula etapas. Eu realmente vivo cada etapa que a minha carreira oferece, porque não quero chegar lá por conveniência, quero chegar por mérito. Depois dessa caminhada fui convidada a representar Angola na Expo Dubai, em 2021. Durante seis meses a defender a Angola na Expo, foi uma experiência incrível.

Ali deu passos para a internacionalização?

Exactamente! Foi uma fase completamente diferente, de aprendizagem e de transformação. Porque quando comecei a carreira fazia parte de algumas produtoras e eu tinha que cantar aquilo que o mercado pedia. Que eram na altura os sembas, os kizombas, os guetto zouks. Embora não me sentisse 100% confortável. Eu gosto de cantar diversos estilos, mas não me sentia 100% representada.

E o que lhe representa?

Na fase em que fiquei na Expo aprendi mais sobre a nossa cultura. Aprendi mais sobre as nossas músicas. E com saudade daquilo que é nosso e o feedback que recebíamos quando cantávamos as nossas músicas, com os nossos instrumentos, fez-me entender que eu precisava cantar mais sobre os nossos ritmos, precisava estar mais envolvida com a nossa dikanza, com a nossa percussão, com os nossos batuques, a nossa forma única de cantar. E então eu percebi que podia misturar o moderno com aquilo que é nosso, o tradicional. Então comecei a entender a importância da nossa música, da nossa cultura.

Entendeu que os consumidores estrangeiros querem originalidade?

Exactamente. Querem angolanidade, não querem aquilo que é o comum. A partir do momento que eu percebo isso, não foi nem sequer oportunismo, mas foi a energia que as pessoas lançaram para mim nessas fases que eu cantava as nossas músicas. Tudo isso trouxe uma reflexão e percebi que devo buscar aquilo que é nosso. Conheci Filipe Mukenga lá na Expo Dubai, apresentei-lhe a minha versão da música dele Muloji, e ele amou. Foi ele que me fez entender o que eu canto, porque eu não sabia definir. Quando perguntavam o que eu canto, respondia: faço a mistura de vários estilos modernos com o nosso tradicional, mas hoje eu posso dizer que canto NMA - Nova Música Angolana, criado pelo Tio Filipe Mukenga. Esse estilo permite numa única música o músico trazer toda a energia que tem de misturar o nosso tradicional com o moderno.

Sente-se confortável neste estilo?

Muito confortável. Aliás, eu sempre fiz, só não sabia o que era, em que estilo me enquadrar.

Temos público para esse estilo de música?

Temos sim. O angolano gosta de coisas novas. Embora, às vezes, o consumidor estranhe as coisas novas, mas quando ele prova uma única vez, e sente a energia, e sente que dá para consumir, ele consome. Posso dizer que não temos uma massa ainda, mas temos pessoas que gostam muito. Temos muitas pessoas que gostam de jazz. A minha musicalidade é em volta disto.

Como olha o nosso mercado musical?

Em termos de vozes, cantos e técnicas de canto estamos muito bem, porque os artistas hoje não querem só cantar. Procuram ter uma voz bonita, ter uma técnica bonita, criar vários crescimentos numa música. Isso é muito importante. A única coisa que me deixa um bocadinho triste é a composição. Estamos muito fracos na composição. Nós estamos a criar coisas muito rápidas, plásticas, se posso usar o termo, na intenção de ser o mais comercial possível e as pessoas poderem consumir. E isso, às vezes, traz-nos uma certa falência naquilo que é a composição. Se fizermos um exercício rápido de como eram, nem vou levar muitos anos atrás, as nossas composições em 2010 e como estão agora, é completamente diferente. Anteriormente nas composições tinham o sentido que os cantores queriam dizer.

Leia o artigo integral na edição 818 do Expansão, de sexta-feira, dia 21 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. (Saiba mais aqui)

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