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"Com a globalização os nossos valores estão a ficar esquecidos"

FELICIDADE MANUEL CASSULE

Com uma carreira de 23 anos, conhecida como "Fely", é directora-geral e coreógrafa do grupo de dança tradicional Bailados Kupolo Njila. É também psicóloga clínica das Forças Armadas, destacada na Direcção de Educação Patriótica. Começou a dançar em 2001 no bairro da Cuca.

O grupo de dança Bailados Kupolo Njila realizou, no passado fim-de-semana, a 5ª edição do espectáculo Antropogéneses. Que significado teve esta edição?

A realização da 5ª edição teve um significado especial porque conseguimos lotar a sala do Royal Plaza. Há muito que um grupo não enchia uma sala daquela dimensão só com um espectáculo de dança. Isto mostra que estamos a recuperar a mística de voltar a trazer o público amante da dança às salas. A cultura angolana é muito rica e nós, enquanto Bailado Kupolo Njila, estamos a contribuir na valorização e divulgação da identidade cultural angolana.

Mas afinal o que é Antropogénesis?

Tirámos da palavra antropologia, que significa história, e Génesis, o início. O que quer dizer a nossa História. Então criámos peças de dança compostas por vários géneros musicais, relacionadas com várias regiões do nosso País e demos o nome de Antropogénesis.

É o mesmo espectáculo que oferecem todos os anos ou trazem inovações para cada edição?

Em cada edição sofre alterações e nesta trouxémos como surpresa o alambamento bacongo e um quadro do homem guerreiro. Mas dentro destes quadros tivemos participação de vários convidados, como actores de teatro e músicos, nomeadamente o Chance Elchadai, Augusto Ousmany, Milton Kilandambuca, Betânia Show, Solange Feijó, Elvanilde Ferreira, Rosemary Jonce e o músico Jojó Gouveia.

Esta mistura de artistas é para tornar o espectáculo mais comercial?

Não é bem assim! Antropogénesis é um musical... É um espetáculo que envolve três disciplinas artísticas como a dança, música e o teatro. Mas aqui os actores são convidados para conhecerem um outro lado e mergulharem num intercâmbio cultural. A ideia é mesmo tirá-los das suas zonas de conforto e experimentarem outras habilidades em palco.

Já é característico do espectáculo...

Sim... Acho que as disciplinas artísticas não precisam estar divididas e o Antropogéneses veio mesmo para fazer esta miscelânea de artes e deixar os artistas descobrirem um e outro lado. Aqui os actores não passam sem dançar (risos)...

O que significa cada indumentária usada em palco?

A indumentária tem um grande significado para cada quadro apresentado. Reflecte a sua região, os seus hábitos e costumes. E nas nossas apresentações, através de pesquisas que fazemos, procuramos aproximar-nos daquilo que é a realidade de cada região angolana.

De onde surgem as canções?

Todas as canções vêm da região onde são feitas as pesquisas. Ali é onde sai cada história. Outras canções já são populares. Repare que existem canções para tudo que se faz na nossa cultura.

Qual é o vosso objectivo com este espectáculo?

Oferecer um bom espetáculo. O objectivo é que as pessoas vão assistir e possam sair de lá com conhecimentos sobre a nossa cultura, os nossos hábitos e valores.

Por que incluíram o alambamento e outros hábitos culturais nos vossos espectáculos?

Porque notamos que estamos a perder a nossa essência cultural. Estamos a perder os nossos princípios, os nossos valores. Existem pessoas que não conhecem a nossa cultura e nós criamos o Antropogénesis onde espelhamos os hábitos culturais de todas as regiões do País para educar, ensinar e informar as pessoas sobre os nossos rituais e tradições como o alambamento, o efiko ou xinguilamento, um ritual da Ilha de Luanda que é feito para baixar a calema e assim permitir que os pescadores se façam ao mar.

Como é que aprendeu sobre estas coisas?

Foi mesmo por causa das nossas investigações para materializar o espectáculo. Alías, o Antropogénesis exige de nós investigarmos estas coisas, conhecermos a fundo, para depois levarmos ao palco e transmitir às pessoas por meio do entretenimento.

Os nossos valores culturais estão perdidos ou as pessoas sentem vergonha de se manifestar?

Não sei. Mas o que eu penso é que com a globalização, os nossos valores estão a ficar esquecidos. Uns por vergonha. Mas é preciso regressar à nossa essência cultural. Aos hábitos e costumes. É bonito quando somos identificados só pelas vestes, antes de abrirmos a boca para falar qualquer coisa. Se não manifestarmos as nossas culturas, vamos perder o que de mais precioso os nossos ancestrais nos deixaram como herança.

De onde surgiu a ideia deste projecto?

Eu sou muito apaixonada pelo batuque. O som do batuque me inspira. Então, no início do ano passado, em Fevereiro, estávamos a preparar- -nos para um concurso de dança e um dia os percussionistas criaram uma introdução. Eu fiquei "louca"... Foi ali que disse, temos que criar uma obra. Na altura ainda não tínhamos qualquer espectáculo. Tínhamos apenas coreografias curtas que faziam apenas um minuto, dois, três, ou até 4 minutinhos. Então naquela "loucura", o som do batuque inspirou-me e eu inspirei os meus colegas, estes inspiraram outros colegas e os outros inspiraram o projecto que hoje deu o Antropogénesis (risos)...

Como é que chegaram à 5ª edição em apenas um ano de projecto?

No ano passado fizemos três edições. Este ano já realizamos uma nos primeiros meses, e agora, no passado fim-de-semana, voltámos a fazer. Antropogénesis é uma obra que deixa água na boca a todos os apreciadores de cultura, e talvez seja por isso que não fazemos apenas uma vez por ano. De momento ainda não pensamos fazer a sexta edição. Por enquanto queremos parar por aqui em termos de edições. Por mais que as pessoas nos peçam, vamos preferir apresentar os formatos passados, ainda não vamos avançar com novas obras.

Porquê?

Queremos deixar que as pessoas conheçam bem as obras que já exibimos e tenham contacto com a mensagem. É também uma forma de explorar as nossas produções e deixar as pessoas entrarem na onda do espetáculo.

Leia o artigo integral na edição 786 do Expansão, de sexta-feira, dia 26 de Julho de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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