Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Angola

"Ajudem-nos por favor. Estamos a morrer com fome"

Reportagem "Andar o País -Pelos Caminhos da Agricultura"

Há fome na Tumba dos Dembos, na província da Huíla. Mais de 80 famílias não comem senão raízes desconhecidas, cujas consequências para a saúde ninguém sabe quais serão, e bebem água imprópria (suja e castanha) para garantirem a sua sobrevivência.

A realidade "nua e crua" deixa apavorado o soba grande, por recear que nos próximos dias venham morrer pessoas de fome e à sede na sua comunidade.

"Ajudem as pessoas, por favor! Aqui há fome por causa da seca que acontece desde o mês de Outubro do ano passado. Receio que venham a morrer pessoas nos próximos tempos. Estamos a comer raízes que nunca foram utilizadas e nem sabemos qual é o nome delas", lamenta o soba grande, Tyindulo Kamiutuepatyi, de 62 anos.

Foi pelas 11h22 que a caravana do "Andar o País" entrou na Tunda dos Dembos. O silêncio é ensurdecedor. As crianças, os adultos, os velhos até os animais, como cães, galinhas e porcos estão deitados sobre a terra, perderam a força da voz por estarem há dois dias sem alimentação. "Não há comida, mas vamos lutar até ao fim", garante o soba, acrescentando que das poucas vezes que consegue alimento chama os membros da comunidade para cada um tirar a sua metade e matar o ruído que sai do estômago há largos dias.

Sem alternativa à crise alimentar provocada pela seca, Tyindulo Kamiutuepatyi viu-se obrigado a vender a única garantia que lhe dá o estatuto de soba grande da aldeia, 41 cabeças de gado, além das 16 que entretanto morreram de fome e sede, para garantir mais uns dias de vida à população da sua aldeia

A anciã da aldeia, com 108 anos, Tchivetitula Kamiutuepatyi, afirma, resumidamente, que se encontra saudável, mas o que a vai matar é a fome que se arrasta desde o ano passado e que lhe tem tirado a força nas pernas. "Não tenho muita coisa para falar. Só estou a lamentar a fome, não existe mais outra doença que vai matar-me senão a fome", diz resumidamente a mãe do soba grande.

Para deixar por terra todas as dúvidas sobre as condições de vida precária das famílias dos Dembos, Maria Nzila entra na sua casa, construída de pau a pique, sai com um garrafão de água e mostra o quanto impróprio é o líquido que consomem. O único que têm."Esta é a água que consumimos desde que começou a seca. Os nossos filhos estão a ficar com barriga grande por causa de beberem essa água, mas como não temos mais nada, estamos a viver mesmo assim", lamenta também camponesa, de 47 anos.

Já Pedro Rigote e Agostinho Dangue vão à capoeira e trazem um porco e um boi para mostrarem o estado dos animais que estão há quase uma semana sem comer nada. "Aqui fomos mesmo abandonados.", desabafa António Palito, de 32 anos, acrescentando que não há hospital, escola para as crianças e quando estão doentes vão à Chibemba quando há carro. Se não houver, ficam com a doença até esta passar por si. Uma geração perdida, que não foi à escola, que não teve cuidados de saúde, e que agora tem filhos que estão a passar exactamente pelo mesmo.

Jornalistas choram

Cada um dos jornalistas presente nesta caravana reagiu à sua maneira. Uns olharam para a situação e "fugiram" para os carros a chorar. Outros não se conseguiram segurar, e caírem em soluços no mesmo instante em que as pessoas começaram as falar. As populações não pedem nada, apenas relatam o que vivem. De voz baixa, sem energia, com o peso da fome em cada palavra.

Banhado em lágrimas, Nelson Pedro, jornalista da Rádio Nacional de Angola, não se conteve e pediu que ajudassem a população dos Dembos porque o que está a acontecer é desumano.

Para Pedro Fernandes, jornalista de Luanda Antena Comercial (LAC), os sentimentos que lhe vêm à alma são impotência, frustração, revolta e profunda solidariedade da população da Tunda dos Dembos, que também são filhos da terra angolana e estão completamente abandonados a morrer de fome.

"É uma realidade muito dura ver pessoas a comerem raízes desconhecidas para matar a fome. Quando um soba diz que teve de vender as cabeças de gado é muito triste, porque nestas regiões, quanto mais cabeças de gado o soba tiver mais poder tem e eles estão a deixar esse estatuto para não morrerem à fome", lamenta o jornalista, acrescentando que o que está acontecer nos Gambos é uma situação extrema, que ultrapassou as suas piores expectativas, pois esperava ver fome, mas nunca na dimensão da população dos Dembo.

O director de informação da LAC, José Rodrigues, reforçou que é uma realidade triste e que esta constatação é uma chamada de atenção para a urgência que as autoridades devem ter no sentido de acudir essas populações.

"Sabemos que a fome por estas regiões é cíclica, volta e meia acontece, mas é necessário que se implementem políticas sustentáveis no sentido de não permitir que esse drama se repita sempre. É uma realidade brutal que deve ser encarada sem romantismo, mas com pragmatismo para que as coisas se resolvam".

A solução

De acordo com o engenheiro e administrador do Parque Nacional do Bicuar, José Maria, a solução do problema da seca no município dos Dembos passa pela criação de um canal de irrigação que tira água no rio Cunene, passando pelo Chimbolelo até chegar ao Caporolo. O engenheiro acrescentou que "a criação de furos de água é um investimento desnecessário na zona dos Dembos, porque depois da abertura do furo de água, as placas solares e as baterias podem ser roubadas e, em menos de cinco meses, o furo deixa de trabalhar e voltaremos ao mesmo problema. Por isso, a criação de um canal de irrigação é a única solução para esta região." Parece simples e muito barato quando comparado com os milhares de milhões que todos os anos se gastam desnecessariamente no País.

Logo Jornal EXPANSÃO Newsletter gratuita
Edição da Semana

Receba diariamente por email as principais notícias de Angola e do Mundo