Reprovações e abandono escolar: uma verdadeira crise que começa logo na iniciação
Indicadores são preocupantes e merecem maior atenção da parte do Governo mas também dos professores e encarregados de educação. Falta de escolas e de um projecto educativo mais aprofundado são fragilidades.
Para lá do número de alunos inscritos, de professores e de salas de aula em funcionamento no País, os três anuários publicados em conjunto pelo Ministério da Educação e Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que há uma crise latente ao nível do abandono escolar e das taxas de reprovação. O cenário é tão evidente que começa logo por se manifestar na iniciação e no ensino primário, onde, em princípio, não há lugar a reprovações, nem a abandonos (por estar dentro da escolaridade obrigatória, que vai até à 9ª classe, entre outras questões relacionadas com o processo de aprendizagem).
No ano lectivo 2021/2022, por exemplo, a taxa de abandono na iniciação foi de 10,1%, enquanto as reprovações representaram 0,6% do total. No mesmo período, no ensino primário (da 1ª à 6ª classe), 11,6% dos alunos desistiram e 13,3% reprovaram, enquanto no I ciclo do secundário (7ª à 9ª classe) 10,1% desistiram e 19,7% reprovaram - estas duas categorias, em conjunto, representam logo 29,8% do total de alunos inscritos.
No II ciclo do secundário, já fora da escolaridade obrigatória, as desistências valeram 12,1% e as reprovações 18,8%.
São apenas alguns exemplos que demonstram a seriedade do problema, que poderiam ser estendidos para outras análises e outros parâmetros similares incluídos nos anuários, ao longo de todos os níveis de ensino.
"A reprovação de crianças nas classes de iniciação e no ensino primário sinaliza uma abordagem deficiente sobre o processo de ensino e aprendizagem. Em condições normais, todas as crianças têm condições de aprender. Em condições excepcionais, existem as abordagens para o "ensino especial". Se a reprovação sinaliza um não aprendizado da criança, logo, foi o sistema que se mostrou incapaz de exercer devidamente os princípios dos processos pedagógicos e também mobilizar os devidos recursos para o atendimento destas crianças nas suas necessidades educativas", defende Isaac Paxe, que considera que "o abandono é também preocupante".
"As crianças são seres de uma determinada comunidade. Logo, a escola é parte desta comunidade. Os membros das comunidades interagem, como deve acontecer entre a escola e os pais ou encarregados de educação. A contínua presença de índices de abandono nos dados estatísticos, sem o devido estudo sobre as motivações, pode demonstrar um descaso sobre o acolhimento das crianças no sistema de educação e ensino. A permanência das crianças matriculadas no sistema é um dever do Governo na sua obrigação da realização do ideal da educação, e do direito à educação", explica o académico.
Mudar de referências
Para o consultor Mário Rui Pires, numa outra perspectiva do mesmo problema, a capacidade de assimilação das crianças angolanas quando entram na escola, ou seja, dos 0 aos 5 anos, período em que é formada a sua capacidade cognitiva, "em média é inferior a 30%, segundo dados medidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)".
"Este não é um problema de educação", defende o antigo sectretário de Estado para o Investimento Público, "é um problema de Saúde Pública que só pode ser revertido com um programa nacional de nutrição, que teria de anualmente abranger, pelo menos, cerca de 7 milhões de destinatários". E dá como exemplo os programas similares na Nigéria ou Costa do Marfim, que em Angola não costumam ser olhados como exemplos a seguir. "Um investimento num programa deste tipo seria fundamental para inverter os resultados no nosso sistema de educação", acredita Mário Rui Pires, que também alerta para os indicadores sobre o índice efectivo de conhecimento.
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