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Economia

Economistas dizem 'não' ao ajuste salarial na Função Pública

Salários na Função Pública não se podem dissociar do momento eleitoral

"OGE de 2022 tem tudo para ser a tempestade perfeita no OGE de 2023", disse ao Expansão Yuri Quixina e explicou porquê. Precioso Domingos acrescentou que "a estabilidade macroeconómica é um bem público" que deve ser preservado. E um e outro disseram-nos que um eventual ajuste salarial da Função Pública pode ser contraproducente e só pode ser entendido como uma medida eleitoralista

A ministra das Finanças já falou do assunto, mas enquanto o Presidente da República não o fizer a questão não é para ser levada a sério, disse ao Expansão o economista Yuri Quixina, porque, argumentou, não cabe aos auxiliares do titular do poder executivo fazer esse anúncio, mas ao próprio titular do poder executivo.

Numa altura em que muito se ouve falar de aumentos ou ajustes salarias - mais ajustes do que aumentos, dada a perda homérica do poder de compra dos angolanos - da Função Pública, falamos com o economista Yuri Quixina sobre a margem que o Governo tem. E a resposta que nos deu foi: "não tem".

Mais. Deixou um aviso: isto de se entrar noite dentro na floresta da amazónica sem uma lanterna sequer torna muito provável a possibilidade de ser engolido por uma anaconda.

Não há uma decisão política por parte do Presidente da República

Aumentos ou ajustes de salários da Função Pública para os próximos tempos, sim ou não, quisemos saber. "Em primeiro lugar não há uma decisão política relativamente a essa matéria, o Presidente da República que é o chefe do Executivo não falou que se vão aumentar os salários. São apenas os auxiliares que estão a falar. Por isso, e para mim, ainda não é uma ideia consolidada".

Depois explica: "qualquer aumento ou ajustamento de salários de forma administrativa - não em função do aumento de produtividade, não em função da estrutura económica - pode criar um desastre para os próximos anos. Podemos destruir o que temos vindo a fazer nos últimos três anos do primeiro mandato" do Presidente João Lourenço.

E enfatiza esta ideia, "aumento de salário, nesta altura, sem aumentar a produtividade, a competitividade, sem resolvermos os problemas de custos de produção das empresas, sem alterar a estrutura das despesas do Governo, basicamente, é voltar a 2017".

Acrescenta, ainda, um elemento que considera "fundamental": "só vamos corroer as reservas internacionais líquidas" e de alguma forma "comprometer o futuro pensando só no presente".

Mas no presente há uma crise social. O que fazer? "Em primeiro lugar a perda do poder de compra não deriva da redução dos salários, ou seja, não vamos combater a perda com o aumento do salário, não é assim. O aumento do salário só pode ser valorizado se existir oferta no mercado - se há alternativas de oferta, há uma redução dos preços, e podes manter o mesmo salário. Só que isso dá muito trabalho, é feito pelo lado da economia e tem a ver com os custos de produção. Do ponto de vista político é fácil e rápido, porque no próximo ano há eleições. É fazer "um voo de galinha" e falar da reposição do poder de compra dos cidadãos, coisa de curto prazo. Sendo que a questão que se coloca é mesmo em 2023, e aí podemos estar num buraco ainda maior do que estivemos em 2021 ou 2022".

Na mesma linha vai dizendo: "as pessoas esquecem-se que os problemas sociais que Angola tem deriva da economia: o PIB está a reduzir, a riqueza está a reduzir e a única forma de compensar o aumento de salários sem riqueza é com dívida ou esperar novamente uma crise. Não temos riqueza para aumentar os salários". A economia está a pedir mais "um ano de sacrifícios", diz Quixina.

"Um economista sério, um economista que pensa no longo prazo, que pensa economia em função do povo, das pessoas, não vai ajustar salários em função da desvalorização do kwanza. Não vai combater o efeito, mas a causa. É preciso perceber o que desvalorizou a moeda nacional. E a primeira causa está nas exportações e com menos reservas internacionais líquidas não tem como o kwanza não desvalorizar. E depois temos que a inflação também é o preço da moeda, a taxa de câmbio também é preço da moeda, a taxa de juro também é o preço da moeda", para concluir, "a perda do poder de compra é uma estrutura circular que liga diversas variáveis", afirmou.

"A valorização do kwanza não vai ser feita no curto prazo, vai depender de uma reforma estrutural agressiva, inteligente, a desenvolver ao longo do tempo", disse ainda, para acrescentar, "o problema é que as pessoas não gostam do médio e longo prazo, ficam-se pelo curto prazo, e este Orçamento Geral do Estado para 2022 é um orçamento para o presente. O orçamento de 2023 vai ser um grande teste".

"Sabe porque é que os economistas liberais não gostam muito dos períodos eleitorais?", foi a vez do economista nos questionar, mas sem esperar a nossa resposta, prosseguiu: "porque um ciclo económica que estava a ser arrumado, ainda que não completamente, está a voltar para trás, em 2022 a economia volta a 2017 do ponto de vista do comportamento Orçamento Geral do Estado e com indicadores muito fantasiados, pouco realistas", partilhou o economista com o Expansão, e a queda "na vida real", em 2023, pode ser uma queda "num buraco".

Yuri Quixima lamento que do ponto de vista da consolidação orçamental o Fundo Monetário Internacional (FMI) tenha ajudado tão pouco Angola. "A despesa corrente continua a levar tudo", disse. "O OGE de 2022 é uma tempestade perfeita para 2023, uma tempestade perfeitíssima", considera.

Quanto aos ajustes salarias, "mais importante é explicar às pessoas o que está a passar a economia", rematou. E quanto ao programa de financiamento e "apoio técnico" do FMI... não passou do alcatrão que tapou o buraco da estrada.

OGE a pensar no mercado de Londres

Para Precioso Domingos não "há como dissociar este eventual aumento dos salários da função pública do momento eleitoral", passa depois por chamar a atenção de que "o Governo tem vindo numa trajectória de estabilizar a situação macro, pôr a economia numa rota de crescimento, sobretudo no sector não-petrolífero, e a criarem-se bases para ganhos de produtividade e dessa forma a valorização salarial".

Para o economista a "estabilização macroeconómica" deve ser entendida como um "bem público" que não deve ser posto em causa com medidas de carácter mais ou menos eleitoralistas, sendo que o OGE para 2022 aumenta a despesa sem absoluta garantias das receitas, mantendo relutância em cortar "gorduras".

Numa altura em que não estão garantidas as receitas e menos ainda asseguradas reservas internacionais líquidas que possam garantir uma relativa estabilidade em tempos de crise, porque, diz o economista, "o OGE em Angola ainda é muito feito com base no mercado de Londres", um maior aumento do lado das despesas deve ser acautelado, porque quanto a reformas do Estado, o que havia para fazer foi irrelevante.

Tal como Quixina, Precioso acha que 2023 vai ser um ano decisivo. Aliás, para Precioso Domingos o período 2023-2027 "vai ser ainda mais difícil" e também por isso determinante para a estrutura macroeconómica do país. Entretanto, lembra que 2023, é também o ano que se volta ao pagamento do serviço da dívida, em particular ao maior credor de Angola, a China.

Quanto ao eventual ajuste dos salários da função pública - seria impensável falar de aumento uma vez, e mesmo tendo em conta uma visão optimista da inflação, a perda do poder de compra dos angolanos nesta altura anda pelos 80%, disse-nos , isto é, o que vier será sempre um qualquer ajuste e nunca um aumento - o economista considera que pode ser mais uma daquelas "políticas de efeito bolha" de um orçamento expansionista dissociado do crescimento real.