CorpCo, a história da maior operadora da CPLP
Voz, som e dados em quatro continentes reunidos na maior operadora de telecomunicações da CPLP, com presença em quase todos os países da comunidade e um porta-fólio de 100 milhões de clientes a falar a mesma língua.
Esta é uma das formas possíveis para descrever a CorpCo, o nome anunciado para a fusão da brasileira Oi e da Portugal Telecom.
O duo passa a subsidiário da nova companhia, que combinará as actividades da primeira no mercado brasileiro - onde estão 70% dos clientes que migrarão para a nova multinacional - e as operações da PT no seu país natal e em vários países do nosso continente, designadamente no nosso, onde tem várias participações, com a Unitel como a mais significativa.
1, 2, 3, 4. Oi? E, de repente, mas não com surpresa, foi anunciado o nascimento da quarta maior operação internacional nas telecomunicações no ano 2013. O nosso País fica ligado pela incorporação de parte do capital da Unitel, da ELTA e da Multitel nesta nova CorpCo.
Negócio da lusofonia, sediada na Cidade Maravilhosa, com um executivo nascido em Moçambique aos comandos, transforma o PT em BR e coloca a brasileira Oi sob gestão portuguesa - isto, porque este gestor africano tem nacionalidade portuguesa.
O seu nome é sobejamente conhecido: Zeinal Bava. Portugal Telecom e Oi - inserida na holding Telemar Participações - juntam- se, e o centro de decisão transfere- se para o Brasil, onde ficará a sede da CopCo, companhia que ainda deverá mudar de nome mais à frente no seu caminho.
Na PT descansam aqueles que temiam que a venda da Vivo à Telefónica - de quem a operadora lusa era parceira nessa operação brasileira -, há três anos, tivesse aberto portas a uma tomada hostil por um dos gigantes mundiais.
Hoje, em Portugal teme-se a perda de poder de decisão sobre a futura CorpCo. No Brasil, pergunta-se quem irá acompanhar o aumento de capital que cabe à Oi (a PT entrará com os seus activos como meio de pagamento da sua parte), já que a operadora tem dinheiros públicos ao longo do seu capital: 9,7% da Caixa de Previdência dos funcionários do Banco do Brasil, 7,5% da Petros (fundo de pensões da petrolífera estatal Petrobras) e 13% do banco público BNDES.
A Oi encabeça um projecto ambicioso desenhado em 2008, quando comprou a BrasilTelecom, tencionando criar uma operadora de nível nacional. A operação de criação de uma supertelecom até obrigou a mudar a lei brasileira. Tanto a Oi como a PT têm entre os accionistas de referências instituições bancárias.
Nos brasileiros, o BNDES. Nos portugueses, o Banco Espírito Santo. Ambos revelaram a satisfação pela concretização do negócio. Menos entusiásticos foram alguns investidores, expectantes para ver se a fusão é aprovada pelos accionistas (os de referência já se manifestaram a favor) e se se confirmam as sinergias no valor de 5500 milhões de reais (cerca de 2,5 mil milhões USD).
No lado de lá do Atlântico, a Oi foi pressionada em bolsa pelos alertas de agências financeiras sobre o seu nível de endividamento. Em Lisboa, a bolsa acordou em euforia, com a operação, anunciada pelo jornal Diário Económico logo às 6 da manhã, antes da comunicação oficial ao órgão regulador, a fazer subir a PT em mais de 20% (embora corrigindo em baixa ao longo do dia e nas sessões seguintes).
Mercados pressionam
Pior ainda foi a reacção do lado da notação financeira, com a Fitch a responder ao anúncio de fusão com manutenção da perspectiva negativa da Oi (BBB-).
A acontecer a descida de degrau, a Oi perderá o estatuto de grau de investimento, seguindo-se, pela lógica, um aumento dos custos de financiamento e das taxas de juro sobre a elevada dívida da companhia (a Oi deve cerca de 13 600 milhões USD, e a CorpCo deverá ficar com 18 700 milhões USD de dívida líquida, numa relação dívida/Ebitda de 4,1 vezes (diz a Moodys), o que ainda é visto como um peso pesado por analistas).
Já a Standard&Poors garantiu que não está afastado o corte na nota da empresa, já que a CorpCo deve necessitar de ainda mais tempo que a Oi, por si, na protecção do crédito. Mas nem tudo são más notícias do lado da notação financeira, já que a Fitch enaltece o potencial de maturação das operações da Oi com a entrada do know-how do triple e quad-play (Internet, telefone móvel televisão e, no quad-play, telefone fixo), dos quais o CEO Zeinal Bava é o rosto. Já as intenções manifestadas pela nova administração de melhorar o fluxo de caixa e reduzir o endividamento, em detrimento de dividendos volumosos para os accionistas, parecem ter agradado aos mercados.
Positiva foi também a reacção do importante Itaú BBA. Analistas do banco brasileiro, citados pelo jornal Globo, explicaram que este poderá ser um ponto de viragem para a Oi, acreditando numa inversão na política de endividamento e uma melhoria do serviço ao cliente.
Realce para o facto de que a dívida já fez vítimas, tendo levado Francisco Valim a sair do cargo de presidente da Oi, em Janeiro último, ainda que à data tivesse apenas ano e meio ao serviço. Para o lugar foi mais tarde escolhido Zeinal Bava.
Para os accionistas de ambas as operadoras, a participação sairá diluída na entrada em mercado da CorpCo, a não ser que vão a jogo no aumento de capital.
A inscrição da nova companhia será feita em Nova Iorque, São Paulo e Lisboa. Analistas brasileiros apontados pelo Globo enaltecem a melhoria a nível de governança que advirá do facto de passar a haver apenas uma acção na Bovespa.
No acto de apresentação da operação, por videoconferência, a 2 de Outubro, o chairman da nova empresa, Mauro Cunha, o vice-presidente, Henrique Granadeiro, e o CEO, Bava, defenderam que o operador nasce com ambição global e terá estrutura societária simples, com uma governança ao nível dos standards mais exigentes.
Por outro lado, está ainda presente no mercado o grau de inovação que a PT - liderada por Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, ambos em trânsito para a CorpCo - ajudou a implementar na Vivo, joint-venture criada em 2003 com a espanhola Telefónica, e que se tornou na maior operadora do hemisfério Sul.
Tal como a Oi, a Vivo também esteve envolvida em escândalos relacionados com o governo, esta última no mediático Mensalão. Diga-se que foi a venda da participação na Vivo que abriu portas a esta CorpCo, já que o governo português, que detinha uma golden share na PT, obrigou a equipa de Zeinal Bava a encontrar outro parceiro, nascendo então a união com a Oi.
A ambição é estar entre os maiores players globais, assumindo uma vocação multinacional desde a primeira hora, num sector em profunda transformação e afirmando- se como uma referência em termos de inovação tecnológica, excelência operacional e criação de valor accionista, anunciou o presidente executivo da PT e, em simultâneo, da Oi, e que será também o homem-forte da CorpCo.
A operadora que queria ser líder do Brasil
A Oi saltou para as parangonas dos jornais quando decidiu adquirir a Brasil Telecom, numa tentativa de ganhar escala e dominar no Brasil. Luiz Falco comandou a união, que prosseguiu com outras operadoras.
Falco foi substituído há dois anos por Francisco Valim, que mal aqueceu a cadeira do poder. Pressionada pela dívida, a Oi acabaria por falhar o objectivo que o próprio Lula da Silva validou: jogar de igual para igual.
A Vivo é líder, com 29%, depois vem a Tim (27%), Claro (25%) e só depois a Oi (19%). O próprio negócio da aquisição da Brasil Telecom foi ensombrado por notícias de alegado favorecimento do governo de Lula da Siva, que no final de 2008 empenhou a sua assinatura na autorização da operação, justificando-o com o desejo de criar um gigante naquele país (um subcontinente) e colocar a Oi em igualdade com os rivais.
Já o banco público financiou a operação. Acresce que na Oi estava um amigo de Lula e a companhia já tinha adquirido, em 2005, por mais de 2000 milhões USD, uma empresa desconhecida a um filho do presidente brasileiro.
Valor de mercado em queda e dívida em alta impediram o investimento necessário para que a Oi pudesse, efectivamente, tornar-se numa referência no Brasil. Agora, a tarefa não será fácil para a equipa de Bava na CorpCo, sobretudo face à perspectiva revelada pela Moodys de que baseado em informações proforma dos dados da Oi encerrados em 30/06/2013 e dos dados da PT de fecho de ano em 2012, a combinação teria resultado em Dívida Total/EBITDA de cerca de 4,1 vezes, que ainda consideramos elevado para a categoria de rating Baa3, e esta é a principal razão pela qual mantemos a nossa perspectiva negativa para o rating da Oi.
Nem os 3200 a 3600 milhões USD de aumento de capital, que permitirão reduzir a alavancagem, descansam os mercados. De qualquer modo, ambição não falta ao futuro presidente, Zeinal Bava, que acredita no binómio redução de dívida/aumento de receitas, antecipando que a operadora estará no top 20 mundial.
O executivo justifica a fusão com o facto de o sector das telecomunicações ser o expoente máximo da globalização. Vamos criar hoje uma empresa com ambição global. Se isso não for feito, será difícil manter a competitividade, afirmou. Vamos juntar a expertise de Portugal e os desafios de escala no Brasil. Temos foco no aumento da produtividade e eficiência para corrigir o cash flow [fluxo de caixa], disse.
Um dos desafios de Bava é alterar a imagem pública que a Oi vem ganhando à medida que aumentam as reclamações de clientes, os quais, em 2012, colocaram a Oi no topo do serviço negativo.
A aposta clara em África
Enquanto a Oi tem entre mãos um mercado que já leva mais de 260 milhões de ligações activas e vale por si próprio, a Portugal Telecom viu-se obrigada a expandir o seu negócio para outros continentes, sobretudo desde que, em 1996, o Estado português começou a sair do seu capital. Ao continente americano chegou em 1998, quando adquiriu participações na CRT Brasil, na Telesp Celular e na Telesp Participações.
Quanto ao nosso continente, para aumentar a margem de manobra, criou a Africa Holding, da qual acabou por vender 22% ao fundo Helios Investments por 171 milhões USD, encarando o parceiro como ajuda para conquistar o mercado de telecomunicações subsariano. Dizia então a operadora portuguesa que considerava o nosso continente um mercado estratégico que oferece oportunidades de crescimento atractivas e o potencial para a criação de valor adicional.
O nosso País ficará ligado à nova companhia pelas participações do porta-fólio da PT que serão transportadas para a nova companhia, no âmbito da incorporação de activos num valor superior a 2600 milhões USD.
Assim, a CorpCo ficará com um quarto do capital da Unitel, 40% da Multitel e 55% da Empresa de Listas Telefónicas de Angola (ELTA). Na nova operadora do mercado da língua nacional haverá ainda os 41,12% na Timor Telecom (fixo, móvel, Internet e dados), metade do capital das Listas Telefónicas de Moçambique, 51% da Companhia Santomense de Telecomunicações (fixo e móvel, dados e Internet), 40% da Cabo Verde Telecom (móvel, Internet e dados), 60% da Directel Cabo Verde e, claro, toda a operação brasileira.
A nível do continente há ainda que contar com os 60% detidos pela PT na Kenya Postel Directories e os 34% na MTC, operador móvel da nossa vizinha Namíbia. Na Europa haverá a participação de 44,62% da húngara HDT e, claro, toda a operação portuguesa, na qual se destaca a operadora móvel TMN e a de televisão por cabo Meo, os grandes adversários da recém-criada ZonOptimus, controlada em 50,01% pela ZOPT, liderada por Paulo Azevedo (Sonae) e Isabel dos Santos.
O tripé de suporte da CorpCo passa por Europa, Brasil e África. No país da Oi - que será também o da nova companhia - espera-se o crescimento da procura por banda larga, TV e Internet móvel, o que obrigará a evoluir o 2G para 3G, enquanto batalha com a ex- -namorada brasileira da PT, a Vivo, e com os biliões do mexicano Carlos Slim, envolvidos na Claro. Hoje nasce uma empresa com raiz nos países de língua portuguesa e um mercado de 260 milhões de pessoas. E assim, em 2 de Outubro, Zeinal Bava lançava a CorpCo.