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A culpa dos que ficam

EM ANÁLISE

É preciso analisar a culpa que sentimos, perceber que faz parte do processo de luto, perceber que talvez a nossa culpa não seja tão grande assim, talvez nem seja culpa, recordar todas as vezes em que demonstrámos amor à pessoa que amávamos... e deixar que a culpa se solte de nós. Como um balão a voar para o céu.

Em consultório, em consultoria de empresas, e até no meu estudo para a dissertação em Psicologia Criminal, tenho-me deparado com o luto que fazemos, nós, os que ficamos, nós, os que ainda não morremos: o complexo, longo e doloroso processo de luto que se segue à morte de alguém que amamos.

A Marineide decidiu fazer psicanálise, pois dizia que sentia uma angústia no peito, que não a deixava ser feliz. Queixava-se da relação amorosa, temia não ser boa mãe, sentia-se, por vezes, desanimada no serviço. Enquanto falava de temas que a incomodavam, a Marineide coçava as costas compulsivamente, inconscientemente. Perguntei-lhe o que se passava. "É uma alergia de pele", disse-me. "Apenas nas costas?" - perguntei. Ela parou, olhou-me com um terror novo no olhar, e desatou a chorar, aflita, desesperada. Quando se acalmou, já quase no final da sessão, disse: "A minha avó, antes de morrer, pediu-me que lhe coçasse as costas, ela não conseguia coçar-se, e eu não cocei! Ela é que me criou, e eu não quis coçar as suas costas! E dias depois ela foi para o hospital e morreu!".

A Belinha chorava: "A minha irmã de dois anos estava cheia de febre, morreu nos meus braços, e eu não sabia o que fazer. Eu não sabia o que fazer! Não sabia que se dava banho frio, pensava que ia passar, não fiz nada!". "Que idade tinha a Belinha?" - perguntei. "Tinha sete anos, doutora!".

O Senhor Vicente admitiu: "Senhor Juiz, ele não queria ir à escola naquele dia, dizia que tinha dores de estômago, e eu disse que não era nada, e ele já não voltou mais para casa! Encontrei-o na morgue".

Em todas as situações descritas, todas elas baseadas em situações verídicas, há algo que pesa mais do que o amor, a memória ou a saudade: é a culpa! Sentimo-nos culpados muito além da lógica ou da razão.

Elisabeth Kübler-Ross explica quais são os diferentes estágios do luto, nomeadamente: a negação ("Não acredito! Não aconteceu! Estás a brincar!"); a raiva ("Porque é que isto aconteceu? Porque é que aconteceu com ela? Porque é que ela veio por aquele caminho?"); a negociação ("Se eu tivesse ligado..."; e aqui, nesta fase, surge, muitas vezes, a culpa: "Porque é que não falei mais com ela?", "Devia ter prestado mais atenção!", "Como é que eu não lhe liguei à noite, para ouvir a sua voz uma última vez?"); a depressão (com tristeza profunda); e, finalmente, a aceitação (aceitamos que a pessoa permanecerá connosco, na saudade, na memória, no coração, na esperança).

Judith Viorst, por sua vez, em Perdas Necessárias (1986; 2021), refere as "fases na dor da perda", que importa conhecer, para podermos perceber o que nos está a acontecer, para compreendermos o processo pelo qual estamos a passar face à morte de alguém que amamos. Estas fases compreendem:

01. Choque. Fase da incredulidade e negação. Experienciamos "choque, apatia e uma sensação de descrença", não acreditamos que a morte tenha ocorrido.

02. Raiva. Fase de intenso sofrimento psíquico. Podemos passar por "mudanças bruscas de temperamento (...), letargia, actividade exagerada, regressão (a um estágio mais carente: "Ajude-me!"), ansiedade pela separação e um desespero sem remédio. E raiva também". Ficamos zangados com o mundo todo, com Deus, e até com a pessoa que morreu.

03. Culpa. A culpa - irracional ou justificada - é "parte do processo de dor pela perda sofrida". A autora explica que, por vezes, há justificação na culpa, se tivermos sido realmente negligentes, por exemplo, mas a verdade é que, mesmo quando fizemos o nosso melhor, sempre "podemos encontrar motivos para a autorrecriminação".

Leia o artigo integral na edição 782 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Junho de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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