"Não podemos falar de uma diversificação económica, mesmo com a agricultura, sem apostar na inovação e na modernização"
O coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA) defende a implementação de um modelo económico e governativo participativo, com instituições fortes e capazes de fiscalizar. E admite que o fracasso no País é generalizado.
No ano passado, pela primeira vez nos últimos anos, a economia angolana cresceu acima da taxa de crescimento da população, mas a sustentabilidade deste crescimento continua a ser um desafio devido à dependência do petróleo. Como é que olha para esta questão?
Deveríamos ter um compromisso nacional em volta deste grande paradigma. Existe a ideia de que primeiro temos de crescer mais para redistribuir melhor. Eu diria que tínhamos de redistribuir mais para crescer melhor, de forma sustentável. A ideia existente, até entre os economistas, é deixa haver dinheiro do petróleo e depois disto vamos ver como redistribuir. Infelizmente, o nosso paradigma económico é muito focado nesta ideia. Acho que isto é errado. Há a sensação, aceitação e o convencimento, de que não podemos redistribuir melhor simplesmente porque não crescemos, mas eu acho que não é isso.
É possível distribuir melhor se a economia não crescer?
É possível redistribuir melhor em todos os tempos, em todas as fases da nossa história. Se há menos para redistribuir, vamos redistribuir menos, com mais justiça, equidade. E isto nunca aconteceu. Temos de partilhar entre todos, os sacrifícios, os benefícios, o ónus e o bónus daquilo que a nossa economia pode dar. E não foi sempre assim. Normalmente, o bónus recaiu para uns e o ónus para outros. E esta foi, infelizmente, a nossa imagem de marca. E aprendemos a conviver com isto como se fosse normal.
Termos uma economia dependente do petróleo não terá contribuído para isto?
A economia dependente do petróleo é causa ou é consequência desta maneira de olhar para a economia? A aposta na indústria extractiva foi uma opção. Isto é a consequência de uma opção que nós fizemos, não é a causa em si. A causa tem muito a ver com a forma de pensar. Durante muito tempo, fomos apologistas da ideia de que o crescimento é igual ao desenvolvimento, mas não é. Há países que também têm a economia dependente do petróleo ou tiveram em algum momento da sua vida, mas não distribuíram menos. Estou a falar da Noruega, Arábia Saudita e de outros países. A ideia da maldição dos recursos só se justifica lá onde os recursos foram utilizados de forma maldita.
É esta realidade que também condiciona a diversificação económica ou o desenvolvimento da agricultura?
Não podemos falar de uma diversificação económica, mesmo com a agricultura, sem apostar na inovação e na modernização. Há muita gente que pensa que modernizar e inovar é pulverizar áreas agrícolas com equipamentos e tecnologias de ponta. Não. Modernizar e inovar é ter instituições modernas no sector rural, desde educação, regulamentação, equipamentos, políticas... Quando falamos de modernização, tentamos a apostar no hardware e esquecemo-nos do software. Ou seja, temos de inovar e modernizar a este nível. Sobretudo na agricultura que tem como base a família.
A aposta deve ser na agricultura familiar?
Partindo da base de que mais de 80% dos alimentos produzidos e consumidos em Angola vêm da agricultura familiar, sim. Mas, infelizmente, a distribuição dos recursos para modernizar ou para alavancar a tal agronomia não é destinada a estes actores que mais produzem. Ou seja, há o sonho, que é também proveniente do sonho colonial, de que grandes fazendas, equipadas com alguma tecnologia de ponta, é que vão produzir o que precisamos. Não podemos prescindir da agricultura familiar. E não podemos falar em diversificar e competir com outros países, sem agricultura familiar. Para muitos, a agricultura é apenas uma actividade económica. Mas para mim é também a cultura dos angolanos que vivem no meio rural. Há muita gente concentrada nos meios urbanos a tomar decisões que afectam a vida do meio rural, sem dar a estes a possibilidade de participar.
Nos últimos tempos, temos sido brindados com vários planos para diferentes sectores da actividade económica, com metas ambiciosas, que tardam a concretizar-se. Esta aposta é sustentável?
Mais do que planos, deveríamos começar com uma base. E a base seria por que falharam os anteriores programas. Acho que os novos planos fariam muito mais sentido se surgissem da lição que extraíssemos dos anteriores programas. Uma política pública nunca devia ser encerrada sem ter passado por uma avaliação criteriosa, independente, que nos permitisse tirar lições. Se fomos eficazes, eficientes, se surtiu algum impacto, foi sustentável, para podermos alimentar os próximos ciclos.
É importante medir os resultados dos programas para se evitar futuros erros?
Claro. Mas, infelizmente, temos sido avessos à monitoria, à avaliação externa, independente, à auscultação. E isso tem contribuído para o fracasso de muitos programas que têm sido implementados. E agora, com estes planos, se não se mudar a metodologia, dificilmente os resultados serão diferentes.
Há quatros anos defendia que o combate à corrupção não fracassou, mas tinha de ser repensado. E hoje?
Não tenho problemas em reconhecer aspectos que funcionaram bem e aspectos que funcionaram mal. Por exemplo, do ponto de vista da relevância, foi positivo em 2017 o mais alto mandatário da Nação reconhecer que havia corrupção, nepotismo e isto era um grande entrave ao nosso desenvolvimento.
O facto de ter reconhecido, inclusive desencadeado uma acção, resolveu o fenómeno?
Não. Não fomos eficazes. Ou seja, o problema não ficou resolvido. Tentámos tornar o combate à corrupção um programa, uma iniciativa, do Presidente da República e não uma iniciativa do País. Pôs-se muito foco em que a corrupção iria ser resolvida pela mão pesada de uma pessoa e não pelo peso das instituições no seu conjunto. Agora podemos ver que a eficácia do combate à corrupção passa por construir instituições fortes, sólidas e credíveis, e acho que talvez não foi feito um grande investimento nesta questão.
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