"O bom investimento deve ser apoiado, seja ele nacional ou não"
Álvaro de Mendonça vê o aumento da população como um desafio para o desenvolvimento do País, que precisa de bons investimentos para potenciar o crescimento económico. Elevada dívida pública e criação de empregos são outros dos desafios.
O FMI voltou a rever a previsão de crescimento da economia nacional para este ano, dos iniciais 3,0% para 2,1%, e alertou para o agravamento dos riscos na capacidade de pagamento da dívida externa. Como consultor, como perspectiva a economia até ao final do ano?
O que acontece é que a economia angolana é muito dependente do petróleo. E o petróleo, neste momento, está em baixo. O Orçamento Geral do Estado conta com um preço por barril de brent de 70 USD, mas no mercado está a rondar os 65 USD e deve continuar neste valor até ao final do ano, caso não aconteça nada de anormal no sector. Há também a questão da redução da produção nacional. Em Julho, pela primeira vez em muitos meses, a produção de Angola ficou em média abaixo de um milhão barris. E, se juntarmos o efeito volume com o efeito preço, está explicado porque é que a economia não está a crescer como todos esperávamos no início do ano.
O petróleo continua a ser o problema do País?
Exactamente. A diversificação da economia está a acontecer muito lentamente. Se olharmos para a evolução do PIB nos últimos dois anos e meio, o sector não-petrolífero cresce, e o sector petrolífero cresce menos, ou até decresce. O peso do petróleo continua a ser muito grande na economia. E tentar equilibrar a balança entre o petróleo e o não-petróleo é difícil. Até porque os grandes investimentos que vão ser decisivos para que isto aconteça, demoram tempo. Estou a falar, por exemplo, de refinarias, de petroquímicas, de fábricas de fertilizantes, Corredor do Lobito, Corredor de Moçamedes. São investimentos muito pesados, que demoram 4 ou 5 anos a serem implementados, e também demoram os seus resultados. É um processo lento e, infelizmente, não está a acontecer com a velocidade que nós gostaríamos.
O que falta para que este processo de diversificação seja mais célere?
Angola tem de pensar seriamente no problema da demografia. Os angolanos têm muitos filhos. E a taxa de crescimento da população é muito elevada. Como a economia não cresce ao mesmo ritmo da população, todos os angolanos ficam mais pobres. A única excepção foi no ano passado, onde tivemos um crescimento de 4,4% do PIB, acima do crescimento da demografia. O Governo tem de ter uma política proactiva de controlo demográfico, porque senão não vai conseguir. Sobretudo num país onde, além do crescimento demográfico, há uma enorme dívida pública. O Estado não tem recursos suficientes para investir na educação, na saúde, aquilo que precisaria. É uma situação difícil. Tem também que controlar a dívida pública e reduzir o stock da dívida. E já está a fazer, e bem. E ao mesmo tempo, tentar, de alguma forma, controlar o crescimento da demografia, porque senão a equação não se resolve.
A estratégia "Angola 2050", elaborada pelo Governo, aponta que em 25 anos o País terá 78 milhões de angolanos. A situação vai agravar?
Claro que sim. Imaginemos que a economia até lá cresça, por exemplo, abaixo desta previsão de crescimento da população, o Produto Interno Bruto por cada angolano, vai diminuir. Não é bom. Angola precisa de crescer de uma forma sustentada durante as próximas décadas, acima do crescimento da demografia, do crescimento da população. Essa equação resolve-se de duas formas. Fazer com que o crescimento da população seja menor e, ao mesmo tempo, fazer com que o crescimento da economia seja maior. Senão não tem solução.
Como é que se trava este crescimento da população?
Há várias formas. Começar, por exemplo, por campanhas de controlo da natalidade. Eu fiquei impressionado com uma estatística recente que diz que Angola é um dos países onde morrem mães com 14 anos durante o parto. Não faz sentido que uma criança de 14 anos esteja já com filhos a complicar a vida. Este é um problema que está mais focado, mais localizado, nas comunidades rurais, fora das grandes cidades. Até porque hoje os jovens angolanos dos meios urbanos, já têm a ambição legítima de ter um curso superior, uma boa vida, um casamento estável, ter dois ou três filhos. Já não querem ter sete.
Isto é suficiente?
A solução está em informar as pessoas sobre o controle da natalidade. Ter políticas proactivas de controlo, métodos anticoncepcionais. Explicar às pessoas que muitos filhos já não é a riqueza que era antigamente. Numa zona rural ter muitos filhos era bom porque os mais velhos tomavam conta dos mais novos. Todos ajudavam na agricultura, mas hoje estamos num paradigma diferente. A Angola não é a Angola de há 50 anos e, assim como mudou o paradigma do país, também tem de mudar o paradigma da demografia.
É também preciso melhorar a educação.
A educação faz parte daqueles paradigmas para as pessoas terem um bocadinho mais de cuidado com o que decidem para o futuro. Um licenciado que está mais informado, que faz mais contas à vida, que quer um futuro melhor para os seus filhos, que ambiciona comprar uma casa, carro, ter os seus filhos numa boa escola, não quer ter sete filhos. A boa educação, formação, cidadania, estão mais ou menos de mãos dadas.
Para existir boa educação é preciso que se invista, mas quando analisamos a execução do OGE, vemos que a defesa continua a gastar muito mais que a educação e saúde. Assim é possível melhorar?
O grosso hoje em dia de despesas do Estado é pagar salários. Pagar despesas correntes. 50% do Orçamento Geral do Estado está afectado a pagar dívida. Angola está sobre-endividada. Não há capacidade para fazer grandes investimentos que o País precisa, sobretudo em domínios como a educação e saúde. O crescimento da população é tão grande que não há capacidade. Mesmo com ajudas externas do Banco Mundial, dos bancos africanos de desenvolvimento, isto é impossível. Um milhão de pessoas todos os anos a entrar no sistema de ensino, no sistema de saúde, é uma situação muito difícil.
É preciso então que a economia cresça a bons níveis para que este crescimento da população não prejudique tanto.
Sim. Mas é preciso que o país cresça em sectores não-petrolíferos que criam impostos, riqueza e empregos. Uma plataforma petrolífera não cria muitos empregos. Obviamente que é importante para as receitas do Estado, é importante para que haja divisas, mas não é esse o caminho. O caminho está em investir em indústria, agricultura, transformação. Este não é um problema só de Angola, é um problema de África. África tem de deixar de exportar só matérias-primas, sem transformar.
Leia o artigo integral na edição 843 do Expansão, de Sexta-feira, dia 12 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)