"O mau da fita não é o petróleo, é a fraqueza das políticas públicas"
De nacionalista angolano, a preso político, gestor de topo e membro do governo português. Um percurso recheado e atribulado, que deu origem a uma conversa que olha para o passado sem rodeios e lança o sonho de um futuro diferente para Angola.
Nasceu na província do Bié. Estudou na universidade em Angola ainda antes da independência. Viveu o fim da administração colonial. Que relação mantém com Angola?
É com grande prazer que estou aqui. Sou dos que estiveram no então Largo 1.º de Maio, em Luanda, no dia 11 de Novembro de 1975, quando o Presidente Agostinho Neto proclamou a independência de Angola perante África e o mundo. E nós sentimos, nessa altura, que ali desaguavam os sonhos, anseios e as lutas de gerações patriotas angolanas que tinham lutado pela independência. Os grandes nacionalistas angolanos, sempre que eram interrogados sobre o motivo da sua luta, diziam isso mesmo: "Lutamos pela felicidade do povo angolano".
Que balanço faz 50 anos depois?
É óbvio que o País avançou em algumas áreas, conquistou a independência, consolidou a independência, foi também capaz de pôr fim à terrível guerra civil, que é sempre autofágica, e que devorou 26 dos 50 anos de independência. Mas, quando olhamos para a situação social e económica, há muito caminho a percorrer. Nós temos, em Angola, cerca de 11,6 milhões de pessoas que vivem em miséria extrema. Segundo os organismos internacionais, a fome aumentou cerca de 82% entre 2017 e 2025. Estamos a recuar a esse nível. Não estamos a conseguir proporcionar às pessoas capacidade de luta, de vida e, sobretudo aos jovens, saídas para o futuro. Esta minha viagem, de quase 4.500 quilómetros por diferentes províncias, serviu para visitar o interior, porque a macrocefalia de Luanda abafa o País. E nós temos, de facto, dois países.
Conhecer outras regiões costuma abrir horizontes e novas possibilidades.
Temos Luanda, que tem de ser tratada separadamente, com os seus problemas, mas sem abafar o resto. Nas outras regiões nós vemos dinamismo, vemos coisas a acontecer. O Lubango é uma cidade dinâmica, que está a desenvolver-se. O Huambo também recuperou. Fiquei muito surpreendido com a minha cidade, que é o Cuíto, a antiga cidade de Silva Porto, porque está recuperada. Há uma parte de Angola que está a tentar lutar, a encontrar o seu caminho. Agora precisamos de políticas públicas muito mais sólidas, que não sejam só formatadas em Luanda e depois não funcionam no resto do País. Isso é que não pode acontecer.
Ficou conhecido em Portugal por ter desenvolvido um plano estratégico para a economia. Se lhe pedissem para fazer um trabalho similar, mas adaptado a Angola, quais seriam os pontos-chave?
O primeiro foco é o combate à pobreza. Nós temos de encarar a pobreza de frente. O combate à pobreza, quanto a mim, significa transformar completamente a agricultura angolana. Nós temos milhões e milhões de pessoas que vivem no campo, que subsistem e sobrevivem de uma forma muito difícil. Os mercados rurais estão desorganizados e praticamente não existem. Nós temos de olhar para o potencial imenso que o País tem ao nível dos solos agrícolas. E precisamos de olhar para os camponeses de forma diferente. Olhamos sempre para o topo da pirâmide social e nunca olhamos para a base, para os pobres. Temos de dar-lhes capacidade, através do microcrédito, ferramentas agrícolas e preparação para desenvolverem a sua vida. Os pobres são empreendedores.
Ajudando a enquadrar essa força, os efeitos económicos seriam interessantes.
Teríamos uma dinâmica extraordinária. Temos de ser capazes de mobilizar os camponeses, temos de reactivar organizações que existiam no passado, por exemplo, a ERA (Extensão Rural de Angola), que era uma grande plataforma de técnicos agrícolas e agentes agrónomos que percorriam o País e difundiam as tecnologias agrícolas. Precisamos de um banco nacional de sementes, de um banco de fertilizantes e de um banco de ferramentas agrícolas e equipamentos que sirva os camponeses. Não nos podemos esquecer que a economia angolana é hoje um paradoxo, onde a informalidade abrange cerca de 75-80% da população. Se olharmos para quem tem empregos formais em Angola...
São apenas cerca de 2 milhões de pessoas.
Só 2 milhões e meio de angolanos têm empregos formais, o que significa que apenas estes podem ter acesso ao crédito, por exemplo. A recuperação e a introdução da economia informal tem de ser feita. E não é através da repressão, a repressão não vai resolver nada. Muitas das pessoas que estão na economia informal foram atiradas para as margens do sistema e mal conseguem sobreviver.
A informalidade é uma reacção natural face a um modelo económico falhado?
Se olharmos para o último ano do regime colonial, em 1973, Angola exportava sisal, açúcar, algodão, milho, café. Era um dos grandes exportadores mundiais de café. Depois olhamos para 1985, no fim do primeiro ciclo em independência, com a estatização da economia, que foi dramática e conduziu ao colapso de muitos sectores, as exportações de café eram apenas 7% do registado em 1973. A produção alimentar caiu 37%. A indústria transformadora colapsou. A agricultura valia quase 20% do PIB nacional e a indústria transformadora valia cerca de 18,5%. As indústrias extractivas, em 1973, representavam 9% do PIB. Durante este milhões USD, mas em 2008 duplicou. No último ano do ciclo dourado, subiu para 28 mil milhões USD e, em 2019, chegou a 96 mil milhões USD. Nesta altura, o Estado angolano está numa situação de grande encruzilhada, num impasse, porque é difícil recorrer aos mercados internacionais face às debilidades do País. Angola está a recorrer a empréstimos de curto prazo.
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