"O processo de exportação é difícil, complicado e burocrático"
A produção informal, o desequilíbrio no mercado da matéria-prima, a necessidade de importar sucata, as dificuldades em exportar pelos circuitos oficiais, a retoma das obras paradas e a pobreza, são alguns dos temas tratados com Luís Diogo.
Faz em Novembro 15 anos que a Fabrimetal começou a produzir em Angola. O que é hoje a empresa?
Diria que é algo muito diferente daquilo que era quando começou. Hoje temos uma presença nacional, temos uma integração transversal em todos os sectores e ao nível das próprias comunidades, e sentimo-nos pertença desta grande nação. Contribuímos de forma efectiva para a construção e a reconstrução que se verificou no País.
A empresa faz parte de um grupo industrial africano que tem presença em vários países. Em Angola mantém a mesma estrutura accionista ou existe algum parceiro local?
A empresa pertence a um grupo empresarial de cariz 100% familiar. É uma família que tem, além da Fabrimetal, mais mais 9 unidades industriais em África e vai brevemente entrar também na Guiné-Conakry. O modelo de negócio acaba por ser igual, poderá derivar com mais um produto ou outro, mas estamos em todos os mercados com unidades industriais, a produzir ou usar recursos de matéria-prima nacional, e a transformar e acrescentar valor.
Quais são os principais produtos que produzem?
O seu produto core é o varão de construção, que representa 80% em volume. Depois temos uma derivação que fizemos em 2020, que é a produção de produtos complementares ao varão de aço, mais para a indústria metalomecânica. Os barramentos para portas, janelas, armazéns, essas coisas. Esses são os dois produtos base. Temos depois, dentro da mesma cadeia, um produto específico para exportação, que é o billet de aço, que faz parte da produção porque sem billet não se faz varão.
Tendo uma produção vocacionada para a construção civil e sabendo-se que existem muitas obras paradas no País, como conseguem equilibrar a vossa actividade?
É verdade que dependemos da construção, porque nós estamos essencialmente vocacionados para a produção de varão de aço para o mercado nacional, que é a nossa prioridade. Posso dizer é que, não obstante aquilo que referiu, nos últimos 18 meses, digamos assim, temos verificado um aumento da procura do nosso produto.
Mais obras ou uma maior cota de mercado?
Eu não vou dizer que sejam mais obras, porque os clientes acabam por ser os mesmos, mas eventualmente o arrancar de alguns projectos que estavam em carteira. Desde o início do ano, assistimos a um aumento de procura, o que nos fez reestruturar a nossa política de exportação. Temos exportado menores quantidades para atender ao mercado interno, por entendermos que este é o nosso primeiro compromisso.
Em termos práticos, que dimensão tem hoje a exportação no vosso negócio?
Admitindo que a Fabrimetal produz uma média anual na ordem das 150, 160 mil toneladas, a exportação tem tido uma cota na ordem das 35 a 40 mil toneladas, nos últimos três anos. Este ano, reduzimos, em função do que referi há pouco, mas neste momento estamos a exportar uma média de 3 mil toneladas/mês para a RDC, que é o mercado mais próximo de nós. Mas temos oportunidade para exportar para o Senegal, Gana, Benin e para outros mercados que não estamos a fazer, esperamos fazê-lo a partir de Janeiro, Fevereiro, com o arranque da nova unidade.
Já é fácil exportar ou existem dificuldades?
Efectivamente, o processo é difícil, complicado e burocrático. Está neste momento, segundo a informação que tenho, em processo de implementação efectiva a dita janela única, que já fazia muita falta, porque o processo em si, desde o pedido de autorização, e todos os passos, era bastante burocrático e consumia bastantes recursos. Depois, no nosso caso específico, e mais uma vez por algum desconhecimento do que é a realidade do mercado siderúrgico, o billet de aço até há bem pouco tempo estava categorizado como que se fosse um resíduo. Algo que nos custava perceber. Como é que um produto transformado consegue ser classificado como um resíduo?
Isso obrigava a uma autorização especial?
Sim! Havia um parecer do Ministério do Ambiente a dizer que o nosso produto era um resíduo, e estava naquela categoria dos produtos que precisavam de uma autorização especial. Não era assim no passado, mas há cerca de um ano mudou a situação. Estivemos quase sete meses impedidos de exportar, com o produto produzido e encomendas em carteira, com tudo o que isso implicou na nossa actividade. Penso que agora está ultrapassado, espero, até porque o billet de aço é uma commoditie internacional, um produto de grande valor acrescentado. É importante dizer que o parecer que serviu de suporte a este constrangimento já existia, era um parecer conjunto do Ministério da Indústria e do Ministério do Ambiente, só que de repente o entendimento das pessoas passou a ser outro. Mas, como disse, foi ultrapassado.
Em termos do mercado nacional, continua a haver uma percentagem grande do informal na vossa actividade?
Sim, infelizmente sim! As pessoas podem dizer-me que isso ao produto que produzem, só a eles lhe diz respeito, mas não é introduzido no mercado interno. Ou se é introduzido é uma percentagem muito baixa, porque infelizmente o nosso mercado informal não consome assim tanto.
Então vai para onde?
Aquilo que é produzido sem controlo nessas unidades industriais que estão aí, que toda a gente sabe onde estão, sai do País. Não pode ficar cá armazenada porque não faria sentido, quem compra a matéria-prima a um determinado preço, às vezes até mais alto do que nós, o que nos força a aumentar preços, tem de ter um canal. Eu digo isto de alguma forma aborrecido, porque se as pessoas estão a produzir, vamos produzir de forma igual e com as mesmas ferramentas. E o facto é que eles estão a consumir recursos, matéria-prima que eu também consumo, mas o destino não é o mesmo. O País não beneficia nada deste processo. E isto à vista de todos.
Mas vocês têm feito denúncias, indicado a localização dessas unidades?
Eu já fiz isso várias vezes, já disse onde elas estão, mas é óbvio que a gente não se pode substituir ao trabalho que é dos outros. Elas estão ao longo da via Expresso, na estrada que vai para Catete e recentemente, está a nascer uma grande unidade no KK. Uma pessoa dizia-me ontem, "não pode ser, há muito mais mercado do que aquele que se está aqui a registar". E eu disse, "não, não é verdade, porque as empresas de construção contam-se pelos dedos de uma mão, as empresas com grande consumo, e a gente sabe quais são os projectos que existem". O que existe é efectivamente um outro mercado que está a crescer muito, o mercado da RDC, e é para aí que esse produto está a ser canalizado.
E como é que se resolve esta situação?
Eu acredito que esta questão possa, de certa forma, ser reduzida a partir de Março com a entrada em vigor do decreto executivo que diz, basicamente, que todas as unidades siderúrgicas que estão a produzir no País, que produzem varão de aço, têm de ter sistemas de qualidade implementados e têm de demonstrar a sua qualidade da sua produção. Eu acredito que esta medida poderá atenuar e limitar o avanço destas unidades, a não ser que eles efectivamente se actualizem, se formalizem, e aí estamos todos a jogar no mesmo campeonato.
Com uma percentagem grande de mercado informal, a questão dos preços é muito sensível. Vocês falam com a concorrência sobre isto, entendem- -se, ou é cada um por si?
Infelizmente não falamos. Porque não lidamos, digamos, com as mesmas ferramentas. Eu, pessoalmente, já tentei providenciar algumas reuniões no sentido de podermos encontrar plataformas de entendimento, nomeadamente com aqueles que fazem o mesmo que nós. Com os outros também tentei essa abordagem mais ao nível da compra de matéria-prima, para ver se conseguíamos encontrar aqui um ponto de encontro. Mas não tem sido fácil. Já aconteceu, mas acorda-se uma coisa hoje e amanhã a gente sabe que se faz o contrário.
Então como se faz a definição dos preços neste mercado?
No nosso sector formal, os outros seguem aquilo que a Fabrimetal faz. De certa forma, os nossos preços são sempre os mais altos, os outros estão atrás ou igual, eu diria que eles nos seguem. Os outros, não há comparação de preço porque eles vendem no mercado informal ou no outro corredor que eles têm, sem controlo, sem facturas, não há comparação em termos de preço nesse aspecto.
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