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Grande Entrevista

"Os arquitectos têm algum receio em se expor"

ILÍDIO DAIO | ARQUITECTO

O tema da gestão urbana é central para a actualidade e também para o futuro das novas gerações e do território em geral, mas a arquitectura angolana continua desvalorizada (até pelos poderes públicos) e com pouco espaço de intervenção.

Às vezes, parece que não temos arquitectos angolanos, nem tão pouco uma história da arquitectura angolana nas suas diferentes vertentes. A profissão também podia ser mais valorizada. Isto significa que a Ordem dos Arquitectos, por exemplo, deve ser mais interventiva no espaço público, até para defesa e promoção da própria classe?

Concordo plenamente. A arquitectura e o urbanismo podiam ter mais impacto na vida do cidadão. Aliás, nós lidamos com o território, com o urbanismo, com a habitação. No fundo, nós modelamos o espaço e temos uma responsabilidade muito forte no País, no Estado. Concordo plenamente que a nossa profissão está mesmo muito acanhada. Poucos são os arquitectos que aparecem em público, que propõem soluções. Muitas das vezes, a nossa actividade pode até nem significar construir, edificar a obra em si. A componente didáctica e filosófica perante a sociedade, ilustrando como devem ser feitas as coisas, já abre um grande espaço de intervenção.

A pedagogia sobre gestão urbana pode ser importante para mostrar novos caminhos.

E, infelizmente, são poucos os arquitectos que assumem esse papel. Por outro lado, e também acho que é algo transversal a outras áreas profissionais, como as engenharias e restantes áreas técnicas, o Estado tem sido o principal protagonista da edificação no País. Desde as centralidades, habitação social, infraestruturas. O Estado tem sido o principal promotor destas actividades. Existem, claro, algumas iniciativas privadas. Existem arquitectos específicos que já vêm associados aos grupos financeiros, mas, no geral, acredito que 80% da massa edificada no País continua a ser promovida pelo Estado. E muitas das vezes são projectos chave-na-mão, projectos importados, simples "copy-paste".

Os maiores projectos de arquitectura estão agregados a financiamentos?

Exactamente. Cabe aos técnicos angolanos seguir a receita já feita. Muitas das vezes em projectos que não se adequam ao nosso contexto, à nossa realidade, à nossa cultura. É muito difícil, não digo combater, mas lidar com esse contexto sociopolítico. No fundo, nós, arquitectos, lidamos com as pessoas, com a sociedade. E, perante esse contexto sociopolítico, é difícil a intervenção e a defesa do papel do arquitecto. Claro que temos algumas excepções. Há arquitectos já mais velhos, sem citar nomes, com carreira conceituada. E, de certa forma, ganharam o seu espaço. Mas acredito que a actividade profissional de um arquitecto com até 30 anos de carreira ainda passa por um caminho espinhoso, tortuoso, até chegar ao cume da montanha.

O novo edifício para a Assembleia Nacional teria sido uma boa oportunidade para os arquitectos angolanos e para fazer algo relevante, mas acabou por ser edificado no formato chave-na-mão. Agora não sabemos quem assina o projecto, a sua história, se é angolano ou não, por que razão fez determinadas escolhas. Faz sentido trabalhar desta forma?

Fizeram ali um mini-capitólio, que é uma imagem que não nos representa, uma imagem importada. Parece muito discutível, tudo isto parece muito discutível. E a Assembleia é um espaço do povo. É um edifício que deve abraçar a população, mas estética e fisicamente não representa essa abertura. Ela é fechada, precisava de uma praça, de um jardim, de ser uma coisa para as pessoas. Faltam elementos que nos aproximem.

Olhando de fora da profissão, é difícil responder a esta pergunta: onde vão trabalhar os jovens arquitectos angolanos?

Eu tenho uma actividade profissional multifacetada. Nos últimos anos tenho dado aulas. Também sou consultor, faço projectos. Mas tenho procurado acompanhar o percurso dos meus alunos. Há algumas empresas de construção que recrutam esses profissionais, mas acredito que apenas 40% são aproveitados e estão a exercer. Os restantes 60% estão ainda à espera de uma oportunidade ou vão fazendo biscates e trabalhos mais pequenos.

O cenário que descreve não é animador.

Também reflecte um bocadinho a economia do País. Houve um tempo em que havia dinheiro a circular e havia muitos projectos de construção. Hoje é mais difícil.

A maioria destes profissionais continua a ser recrutada pelo Estado?

Há uma relação entre a economia e a estrutura sociopolítica do País. O Estado tem estado a absorver alguns destes quadros, inclusive agora que o número de municípios quase dobrou. Mas noto que muitos jovens têm receio de sair de Luanda. Muitos querem ficar em Luanda porque aparecem mais oportunidades, embora isso também seja uma realidade noutras regiões. Mas é preciso coragem para viver em províncias mais longínquas, como na nova província do Cuando ou no Moxico Leste.

Nessas regiões quase não se aborda a gestão urbana. Essa realidade limita a participação de profissionais qualificados, não só ao nível das cidades, mas também nas pequenas vilas, nas próprias aldeias, no território em geral?

Muitas vezes, há a ideia que o arquitecto vai lá fazer o desenho da obra, do edifício, da casa e depois o trabalho passa para os engenheiros e para os construtores. É uma ideia equivocada. Parece- -me que o País tem perdido um pouco por não fazer este debate, por não trazermos mais este tipo de abordagens sobre o papel do arquitecto. Porque nós temos uma grande influência na gestão do espaço, na maneira como se organiza e como se faz o espaço. E nós temos muitos desafios no País com estas questões.

Por que razão os arquitectos não participam na definição de políticas públicas?

A bola também está do nosso lado. Nós, arquitectos, a classe, a Ordem dos Arquitectos, devemos sensibilizar a sociedade e tornar a profissão mais acessível. Mais compreensível. Porque também somos muito mal compreendidos. Confundem-nos com engenheiros e não sabem qual é o papel do arquitecto. E por essa má compreensão, somos mal pagos. Isto é um facto. Não nos é dado o devido valor. Ou seja, a desvalorização de que falámos vai até aí. Muitas vezes, o arquitecto fica apenas no projecto e nem sequer acompanha a obra.

Nos últimos anos, vários prédios antigos em Luanda e noutras cidades começaram a ceder. É um desafio para o País e, enquanto jornalista, senti falta de mais intervenções especializadas e didácticas da parte dos arquitectos. Vocês também fazem essa autocrítica?

Fazemos essa autocrítica. Não falo por mim, porque sou suspeito para falar, eu sou muito interventivo. Acho que até exagero nas minhas intervenções. Estou nas rádios, nas televisões. Mas, na generalidade, acho que os arquitectos têm algum receio em se expor.

Porquê?

Porque os trabalhos também são poucos. Vamos nos expor, dar um contributo mais construtivo, mas depois podes ser mal interpretado, estás a criticar. Há aquele receio de perder espaço, de sair do mercado, de fechar as portas e de ficar com o rótulo: "esse não é dos nossos". Há o receio de os arquitectos serem "revús" ou de serem conotados como arquitectos "revús". Muitos preferem não contribuir e ficar na sua zona de conforto. O que é mau. Há essa necessidade, mesmo pedagogicamente, de forma construtiva, de fazer recomendações, de dar sugestões. Em relação à questão dos prédios antigos, alguns já estão em ruínas, outros estão a cair. É um tema muito grave de segurança pública e que os arquitectos e engenheiros podem e devem ser chamados a contribuir.

Essa questão tem diversos efeitos negativos na vida das pessoas e até na economia do País. Qual deveria ser a abordagem em relação ao parque imóvel mais antigo que, actualmente, tem mais de 50 anos?

Acredito que estes edifícios, tal como a urbanização em geral, são um problema da sociedade, dos cidadãos. Antes de ir para uma análise técnica, falando dos comportamentos sociais, nós já não respeitamos a ideia de espaço público ou espaço comum.

Leia o artigo integral na edição 816 do Expansão, de sexta-feira, dia 07 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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