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Opinião

A doença natural como um factor gerador da suspensão da relação jurídico-laboral

Análise

1.Questão prévia O trabalhador, no decurso da sua vida social, está susceptível de contrair alguma doença natural. Logo que esta doença se prolongue por um período superior a 30 dias, torna-se num factor gerador da suspensão do contrato de trabalho e produz vários efeitos, como a perda do direito ao salário enquanto durar a suspensão do contrato de trabalho. Perante esta situação, sobre quem recai a responsabilidade de garantir a protecção social obrigatória ao trabalhador e, quiçá, da sua família nas situações de agravamento dos encargos familiares?

2. Noção A suspensão da relação jurídico-laboral consiste na impossibilidade temporária de o trabalhador prestar a tempo inteiro a sua actividade laboral por factores que lhe digam respeito, mas que não lhe sejam imputáveis, ou o empregador impedido ou dispensado de receber o mesmo trabalho.

3. Enquadramento jurídico A Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro, no seu capítulo IX, prevê a suspensão da relação jurídico-laboral e considera a doença natural como um factor gerador da suspensão do contrato de trabalho. Pese embora este facto, não é imputável ao trabalhador, mas é relativo ao mesmo e sendo impeditivo da prestação do trabalho exercido pelo trabalhador, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 202.º da Lei supracitada.

Assim, a suspensão verifica-se logo que o impedimento da prestação do trabalho (neste caso em concreto, a doença natural) se prolongue por mais de 30 dias seguidos, considera-se o contrato suspenso e tem como consequência a perda do direito ao salário, com base no n.º1 do artigo 20.3º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro. Entretanto, perante este cenário em que o trabalhador perde o direito ao salário, há uma questão que se coloca: sobre quem recai a responsabilidade de garantir a protecção social obrigatória ao trabalhador e, quiçá, da sua família, nas situações de agravamento dos encargos familiares?

A Lei n.º 7/04, de 15 de Outubro, como um dispositivo permanente de protecção social através da sua organização divide-se em três níveis: protecção social de base, protecção social obrigatória e protecção social complementar. Mas o que interessa, na questão em apreço, é a protecção social obrigatória que tem como um dos fundamentos e objectivos a solidariedade de grupo e tem um carácter comutativo assente numa lógica de seguro, financiada pelo trabalhador e o empregador através das suas contribuições.

A protecção social obrigatória reserva-se simplesmente aos trabalhadores por conta de outrem ou por conta própria e as suas famílias, e tem como objectivo protegê-los nas seguintes situações: falta ou diminuição da capacidade de trabalho, maternidade, acidente de trabalho e doenças profissionais, bem como nas situações de agravamento dos encargos familiares, nos termos do n.º 2 do artigo 10,º da Lei n.º 7/04, de 15 de Outubro.

O regime dos trabalhadores por conta de outrem, no seu âmbito de aplicação material, compreende a doença natural contraída pelo trabalhador ao longo da sua vida, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 18,º da Lei n.º 7/04, de 15 de Outubro. Mas a prática tem vindo a refutar todos estes pressupostos legais a partir do momento em que se verifique a suspensão do contrato de trabalho. Com a perda do direito ao salário, o trabalhador fica numa situação de vulnerabilidade a todos os problemas, tanto de ordem social como económica, porque a protecção social obrigatória não produz quaisquer efeitos práticos na vida económica e social do trabalhador.

Mas, pelo facto de o Instituto Nacional da Segurança Social ser o organismo vocacionado para fazer a gestão das contribuições que são retiradas com um carácter regular nos rendimentos mensais dos trabalhadores, deveria ser da sua inteira responsabilidade a protecção social obrigatória do trabalhador e, talvez, da sua família nas situações de agravamento dos encargos familiares. Mas, de forma omissa, o Instituto Nacional da Segurança Social escusa-se a resolver esta situação, mesmo tendo o trabalhador, durante um certo período da sua vida profissional, contribuído com 3% dos seus rendimentos mensais a fim de ver assegurada a faculdade de exigir do Instituto um comportamento positivo.

Essa contrapartida continua a ver frustrada essa garantia, ficando, assim, à mercê de si mesmo. Por outro lado, há quem defenda a tese de transferir esta responsabilidade da protecção social obrigatória para a alçada do empregador, por uma questão de obrigação natural, visto que o trabalhador também é uma das pedras basilares para o bom andamento da produtividade da empresa. Mas não devemos esquecer que as contribuições pagas pelo trabalhador ao Instituto Nacional da Segurança Social implicam uma comparticipação do empregador na ordem dos 8% sobre o valor total da contribuição. Portanto, não seria justo atribuir esta responsabilidade de protecção social obrigatória ao empregador, nem numa perspectiva de ordem moral ou social, nem muito menos legal, porque a Lei de Bases da Protecção Social é bem clara quanto a esta matéria - vide artigos. 10.º e seguintes da Lei n.º 7/04 de 15 de Outubro.

4. Conclusão Em jeito de conclusão, apraz-nos dizer o seguinte: a) O Instituto Nacional da Segurança Social deve responsabilizar-se pela protecção social obrigatória, na situação em que o trabalhador venha a contrair alguma doença natural, com base no dispositivo legal da Lei n.º 7/04, de 15 de Outubro. b) Caso o Instituto Nacional da Segurança Social se responsabilize por proteger o trabalhador na situação de doença natural, deverá tomar algumas medidas, como, por exemplo, criar uma estrutura eficaz e capaz de fiscalizar a veracidade do estado patológico do trabalhador, para não correr o risco de pagar subsídios a trabalhadores que simulam alguma doença natural através de documentos falsos.

Domingos de Sousa, Jurista

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