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Opinião

Responsabilização

Editorial

Temos de passar a mensagem às novas gerações que ser íntegro, honesto, ter valores, pensar no bem comum, vale a pena. E quando estes valores estão em causa, há mecanismos que penalizam os infractores.

A propósito da entrevista que o Expansão faz a José Carlos Bettencourt sobre o estado, os projectos e o futuro da nossa agricultura, existe uma série de questões que se levantam que têm a ver com esta forma muito particular de desconseguir sistematicamente o cumprimento de objectivos que parecem consensuais e atingíveis.

Existe uma forma estranha de escolher caminhos, que muitas vezes não é sustentada, que servem apenas para gastar mais dinheiro, mais recursos, mas que no fim têm resultados marginais. Isto mantém-se assim há décadas, porque nunca se faz uma avaliação séria da implantação dos projectos. Porque, infelizmente, quem pode fazer estas avaliações e quem é responsável por todas as megalomanias jogam na mesma equipa.

Muitas vezes, têm mesmo relações familiares ou relações de dependência financeira. Vamos a factos. Alguém já fez um estudo sério à forma como desbaratámos 40 mil milhões USD que vieram da China para a Reconstrução Nacional? Onde foram gastos, quem ficou com o dinheiro, quantas obras se fizeram, onde estão, quanto tempo duraram e qual foi o custo de cada uma?

Um dos maiores exemplos é o novo aeroporto de Luanda. Quando se iniciou a reconstrução em 2019, um dos argumentos apresentados é que já lá se tinha gasto mais de 7 mil milhões USD e não se podia andar para trás. Quando foi inaugurado, o custo apresentado para esta infraestrutura foi de 3,4 mil milhões USD. Ou seja, já não se contabilizava o que estava para trás e, como tal, ninguém podia ser responsabilizado. Se não existiu o facto, não existe executor.

É assim que vamos branqueando estes abusos de uma forma perfeitamente estranha, mas concertada. Ninguém responsabiliza os antecessores para evitar que possa vir acontecer o mesmo com ele. Acontece nos ministérios, nas instituições e empresas públicas, nos governos provinciais e nas administrações locais. Este modus operandi está a moldar uma nova geração de dirigentes que também se sente muito confortável nesta águas. E não tenhamos medo das palavras, está a hipotecar o futuro do País.

De vez em quando, abrem-se uns processos a duas ou três pessoas, algumas vão mesmo a julgamento, mas quantas condenações por corrupção tivemos nos últimos cinco anos, por exemplo? Quantas vezes pessoas que aparecem na vida pública com sinais de riqueza enorme foram questionadas sobre a origem do seu enriquecimento? Grande parte das instituições internacionais nos seus relatórios chama a atenção para este facto, como foi o caso do GAFI, mas a responsabilização, a avaliação e o controlo continuam sem se fazer.

É muito difícil quebrar esta "rotina", concordo, mas é necessário que todos percebam que existe controlo, que serão avaliados pelas acções, que os factos serão públicos e que, em caso de desvios à lei, serão penalizados. Isso de serem exonerados apenas por conveniência de serviço, encostados cinco ou seis meses, para depois voltarem a ocupar um outro cargo na gestão pública não ajuda nada. Porque, como dizia o meu pai, "quem se vende uma vez, vende-se a vida toda".

Temos de passar a mensagem às novas gerações que ser íntegro, honesto, ter valores, pensar no bem comum, vale a pena. E quando estes valores estão em causa, há mecanismos que penalizam os infractores. Temos de acreditar que todos podemos controlar todos, e que isso tem consequências. Que os "heróis do povo" não são os mais espertos, mas sim os mais empreendedores. Que, no exercício dos cargos, o conhecimento técnico e a capacidade de gestão são mais importantes que as ligações familiares ou partidárias. Quando é que isto vai acontecer no nosso País?

Edição 806 do Expansão, de sexta-feira, dia 13 de Dezembro de 2024

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