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Opinião

A minha geração

EDITORIAL

Mas também faço parte de uma geração que conseguiu a paz. Que conseguiu abrir os braços aos fantasmas do passado e reconstruir-se. Que em momentos muitos especiais foi feliz

Parece contraditório, mas o momento é de juntar. Não podemos iniciar uma estrada de divisão que nos faça depois envergonhar, uns metros mais acima. Faço parte de uma geração que teve de explicar aos filhos uma guerra de 30 anos, que cresceu com a ideia do inimigo presente, condicionando todas as decisões e escolhas, que não conseguiu desenvolver o País convenientemente, que não foi capaz de garantir o mínimo de condições de vida a todos os cidadãos, que não foi capaz de acabar com a fome.

Faço parte de uma geração que se habituou a viver de esquemas, a pensar mais em si e menos nos outros, que trocou a solidariedade dos vizinhos pelas promessas dos potes de ouro que nos colocavam à frente para nos mantermos nos caminhos que tinham escolhido.

Faço parte de uma geração que viu os paisganharem a independência, mas que depois não foi capaz de transformar esse conceito em felicidade colectiva. Que se fechou em círculos, vestida de uma ganância estúpida, que parece que nunca está satisfeita. Que endeusou os dirigentes, mas que não foi capaz de fazer instituições fortes. Que fechou os olhos e a boca mesmo quando não concordava. Que se habituou a dizer uma coisa em casa e outra no trabalho. A ter um sentimento duplo para adaptar-se convenientemente à luta por uma sobrevivência que foi sendo cada vez mais difícil.

Mas também faço parte de uma geração que conseguiu a paz. Que conseguiu abrir os braços aos fantasmas do passado e reconstruir-se. Que em momentos muitos especiais foi feliz, construiu apenas em prol do interesse nacional, solidificou a liberdade e a democracia. Olhou para a frente e foi. Sem medo e sem muitas certezas, com uma bandeira pendurada na cintura e um enorme orgulho em ser angolano.

Faço parte de uma geração que, nesta parte final do trajecto, tem obrigatoriamente de ter uma postura inclusiva, falar nos olhos da geração que vem a seguir, assumir os erros sem receios, não se portar como "feiticeiros do saber", achando que os que vêm atrás são ignorantes e impreparados. E, pior, achar que não percebem bem o que fizemos e o que somos. Não é solução achar que somos intocáveis e detentores da verdade. A nova geração é que é o futuro, e mal para todos e para o País, se não forem capazes de fazer melhor do que a minha geração.

Por isso, custa-me muito quando vejo os nossos filhos e sobrinhos a fugirem do País, a trocarem uma profissão aqui por um subsídio na Europa ou nos Estados Unidos. Ou a passarem-se para as ondas da marginalidade. Ainda vamos a tempo.

Queria fazer parte de uma geração que a História diga que foi capaz de unir mais do que dividir. Gostava que a minha geração deixasse uma herança de que os nossos netos se pudessem orgulhar.