Juros legais
Não há sociedade de mercado, ou capitalista, que não remunera o capital, quer como forma de retribuições ou rendimentos, quer como forma de compensação, pelo que se pergunta "com que linhas se cosem a concessão de créditos em Angola?"
Numa sociedade capitalista, como a nossa, apesar de eufemisticamente chamada de economia de mercado, os juros jogam um papel relevante nas transacções comerciais, não só como penalização pelo não cumprimento tempestivo das obrigações pecuniárias, mas também como remuneração pelo uso de capitais alheios. Na primeira hipótese teríamos os juros compensatórios ou indemnizatórios, já na segunda os juros remuneratórios!
Entre esses, há uma outra tipologia de juros, os legais, que são fixados, no nosso país, por Despacho Conjunto dos Ministérios da Justiça, Finanças e Planeamento, como atesta o artigo 559.º do código civil!
Nos termos do aludido diploma legal, de modo a proteger e estimular a concessão de créditos, é obrigação do Estado fixar a taxa de juro legal; variável económica de inquestionável valor, pois, "são aqueles que, por uma razão de equidade, a lei estabelece para certos e determinados casos", subscrevendo as palavras de Serpa Lopes, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, 7.Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, V,II §.
Acontece que em Angola, há já bastante tempo que os ministérios acima elencados não fazem a actualização da taxa de juro legal, o que, de alguma maneira, deixa essa importante ferramenta económica à vontade das partes, podendo dar lugar à situação de pura especulação financeira, abrindo portas para a celebração de negócios usurários!
De tal sorte que, estimulado pela curiosidade e necessidade de saber com que linhas se cosem, em Angola, essa questão, remeti, no dia 19 de Junho de 2023, uma missiva aos ministérios da Justiça, Finanças e Planeamento para que me informassem dos mecanismos usados para a definição da taxa de juro, uma vez que o último pronunciamento desses departamentos ministeriais se reporta ao ano de 2003! (vide, Despacho Conjunto 36/03, de 25 abril de 2003). Infelizmente, passados que são 12 meses não recebemos por parte do Ministério da Justiça, das Finanças e do Planeamento, qualquer tipo de reacção!
O que não deixa de ser preocupante! A primeira preocupação prende-se com o facto de não haver entre nós a cultura de se responder às petições que os cidadãos endereçam às instituições públicas, quando a Constituição da República consagra que "Os cidadãos têm direito de ser ouvidos pela administração pública nos processos administrativos susceptíveis de afectarem os seus direitos e interesses legalmente protegidos" (vide n.º 1 do artigo n.º 200.º da Constituição da República de Angola). A segunda preocupação, tão importante ou mais importante do que a primeira, prende-se com o facto de também se consagrar na nossa Constituição a implementação de uma sociedade de mercado ou capitalista! (vide artigo n.º 89.º da Constituição da República de Angola).
Ora, não há sociedade de mercado, ou capitalista, que não remunera o capital, quer como forma de retribuições ou rendimentos, quer como forma de compensação, pelo que se pergunta "com que linhas se cosem a concessão de créditos em Angola?"
Assim, de modo a chamar a atenção dos poderes públicos que lidam com essas matérias, de modo a se chamar atenção da necessidade de se responder as petições efectuadas pelos cidadãos, publica-se o presente artigo de opinião, certos de que assim o vazio legislativo que se verifica em sede dos juros legais seria colmatado.