O legado do Lobo de Wall Street
Hoje vamos comentar a magnífica obra cinematográfica de Martin Scorsese, que nos introduz uma história verídica de Jordan Belfort, também conhecido como O Lobo de Wall Street, que é, sem sombra de dúvidas, para nós, financistas, um indivíduo que conseguiu explorar as fragilidades do mercado financeiro moderno, deixando claro que um mercado financeiro sem supervisão ou com uma supervisão débil é um verdadeiro monstro de sete cabeças.
O filme, que aconselhamos vivamente a ver, apesar das suas excentricidades, deveria constar das bibliotecas dos órgãos de supervisão financeira nacionais, principalmente da Comissão do Mercado de Capitais (CMC). Descreve a trajectória de Jordan Belfort, um corretor de valores mobiliários muito bem instruído e com uma habilidade fora do comum para convencer os outros a comprar seja lá o que for.
De facto, é isto que se espera de qualquer corretor, vender, vender e vender, mas Belfort, depois de despedido de uma grande corretora de Nova Iorque, vai para uma corretora de segunda ou terceira categoria que vendia títulos de empresas pequenas e não reguladas pela Security Exchange Comission (SEC, equivalente à nossa CMC), sendo que aqui consegue pôr em acção a sua enorme habilidade para vender títulos de empresas que nem o próprio comprador sabia que existiam cinco minutos antes. Seguidamente, Belfort ergue o seu próprio negócio de corretagem, através do franchise da Stratton Oakmont, que mais tarde adquire, tornando-se assim num dos corretores com mais espaço em Wall Street.
Como já havíamos dito, o filme, que é para maiores de 18 anos, apresenta as várias facetas da vida agitadíssima das casas de corretagem nos EUA. Apesar dos seus métodos de trabalho nada ortodoxos, e de excentricidades existirem para motivar aqueles profissionais financeiros, vamos focar-nos apenas no que O Lobo de Wall Street representou e no que podemos apreender com ele.
Jordan Belfort tornou-se milionário por ter sabido explorar as fragilidades do mercado financeiro americano nos anos 80, pois de forma legal foi possível vender títulos de empresas que os compradores ou investidores nunca tinham ouvido falar, bastando apenas conseguir convencê-los, e, como o seu alvo eram americanos de baixa instrução académica e quase nenhuma financeira, o terreno era fértil. O momento de verdadeira engenharia financeira, que por sinal marcou o princípio do fim dO Lobo, deu-se quando a corretora de Belfort levou a cabo uma Oferta Pública Inicial (OPI) em que são vendidos ao público em geral, mediante uma oferta pública, pela primeira vez, títulos de determinada empresa ou projecto.
A partir daquele momento, aquela sociedade emissora passou a ser aberta e imediatamente supervisionada pelo órgão de supervisão competente, tendo a obrigatoriedade de prestar contas regularmente. As acções daquela empresa foram oferecidas ao público, mas o facto de o próprio Belfort ficar com mais de 50% dos títulos para si, sendo uma empresa quase fantasma que vendia sapatos de má qualidade, pressionou especulativamente a procura por aqueles títulos, elevando o seu preço (conseguindo uma valorização 22 biliões em três horas).
Para atestar a grande habilidade dO Lobo para a vender ao mercado, até as firmas mais conceituadas de Wall Street compraram os títulos para manterem nos seus portefólios de investimento. Portanto, até os grandes e experientes foram enganados.
Belfort pôde assim, muito habilmente, manter em seu balanço um activo muito valorizado artificialmente. Nesta situação, o mercado foi usado, pelas suas próprias regras, para vender ao público títulos de uma empresa que não tinha o valor que aparentava, sendo que, posteriormente, Belfort passou a ser seguido de mais perto pelo FBI, devido à valorização anormal daquele título.
O que se pede hoje ao Estado angolano, por via da CMC, é que feche todas as possibilidades de existirem lobos em Angola, na iminência de abrir a bolsa de valores, mediante supervisão acérrima dos integrantes do mercado. Para tal a supervisão deverá ser abrangente, dos emissores aos corretores, para que não se venda gato por lebre e se consiga manipular o mercado a seu bel-prazer.
É importante que os quadros responsáveis pela supervisão sejam apenas supervisores, ou seja, profissionais em supervisão, mas para isso devem antes de tudo ser especialistas em finanças, nunca meros economistas, juristas ou engenheiros, é necessário ter um invulgar conhecimento das operações financeiras que ocorrem rápido e com vários milhões de dólares ou euros de ganhos ou perdas quase instantâneas.
Sim, trabalhar em supervisão de mercados de bolsa é algo que não é para todos, e é importante que a CMC esteja à altura do que aí vem, pois a responsabilidade é enorme e o mais importante é o facto de ser serviço público, em que o principal objectivo é saber combater os lobos em seu próprio terreno.