"Não me parece que seja prioridade do Governo desenvolver as artes"
A peça "A Segunda Conversão de Nzinga Mbande" começou ontem a sua temporada após vários anos engavetada. A autora e encenadora afirma que para fazer teatro em Angola é necessário ter muita obstinação e paixão por parte de todos os envolvidos, devido à ausência de subsídios e apoios oficiais.
Estreou ontem a peça "A Segunda Conversão de Nzinga Mbande", que vai ficar em cena durante o mês de Março no Elinga Teatro. Que história nos quis contar?
A estória é sobre um episódio da vida da Rainha Nzinga Mbande, quando ela se encontrava já com muita idade e receava pelo futuro do seu reino, pelo futuro da independência do reino pela qual ela toda a vida lutara, para que não fosse subjugado pela crescente colonização portuguesa.
Que tipo de personagem construiu para a Rainha?
A vida de Nzinga Mbande é fascinante sob todos os pontos de vista, não só para nós angolanos, mas para a história da resistência africana aos europeus, no século XVII. Os factos narrados em linguagem teatral, são factos históricos comprovados. A peça, depois, olha para estes factos com os olhos dos artistas do século XXI, que somos nós.
Traz uma visão actual, que se relaciona com os nossos tempos?
É mais uma visão sobre o nosso passado e os nossos antepassados que pretende compreender como chegámos até aqui, quem éramos e quem somos agora. E é uma visão, "a nossa visão", apresentada em forma de espectáculo teatral. A peça tem quatro actos e dura cerca de 1 hora.
É também uma abordagem sobre a conversão cristã de Nzinga?
Foi a forma que encontrámos para relatar este episódio verídico da vida da Rainha em linguagem teatral. A personalidade da Rainha Nzinga é muito complexa e original, em relação ao seu tempo, o século XVII e ao território em que viveu. O teatro é lúdico para quem o vê, mas sobretudo para quem o faz. Esperamos muito que esta nossa proposta seja apreciada pelo público. O teatro é feito para o público e se o público não reagir positivamente, a peça falhou no seu objectivo.
Qual é a sensação de poder escrever e contar a história da Rainha Nzinga?
Escrevi este texto há algum tempo e recentemente dei-o a ler a dois ou três amigos que acharam que "tinha pernas para andar". Decidimos então encená-lo e quis experimentar,de uma peça para adultos. Já tinha feito antes peças infantis. Eu gosto especialmente de contar estórias. Aqui estou a contar a estória de uma personagem histórica fundamental, para Angola e a África Central.
Qual foi o investimento financeiro para montar a peça?
Fazer teatro em Angola, e falo como amadores, é sempre uma empresa de muita obstinação e paixão por parte de todos os envolvidos. Não existem subsídios oficiais das instituições de cultura. Recorremos a patrocinadores, mas provavelmente devido à crise, há cada vez menos empresas e instituições dispostas a patrocinar o teatro. Então, são geralmente os amigos que nos salvam.
Fala mais em contribuição do que em investimento ou financiamento.
A contribuição dos amigos é fundamental. Eles contribuem muito ou pouco, consoante a sua disponibilidade e graças à sua generosidade. Aliada à das empresas e instituições, consegue-se montar e estrear uma peça de teatro. Mas sempre a trabalhar dentro de limites muito estreitos.
Como faz para cumprir o pagamento a todos os envolvidos? O importante, antes de tudo, é poder pagar às pessoas. Há esta mentalidade errada de que o trabalho dos artistas é sempre uma brincadeira, um "hobby". Os artistas, como qualquer ser humano, sustentam as suas famílias com a remuneração do seu trabalho. Por isso, não é admissível que trabalhem sem salários.
O teatro é um trabalho de equipa?
O elenco e a equipa técnica reunida para levar a cabo o projecto, também são fundamentais. Todos têm de acreditar e dar o seu melhor, com uma remuneração mínima. Fazem-no por paixão também, já que os ganhos monetários são modestos. Todos trabalham noutros lugares e é ao fim da tarde que nos juntamos para ensaiar.
(Leia o artigo integral na edição 713 do Expansão, desta sexta-feira, dia 24 de Fevereiro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)